Seu Waldomiro é parte da atmosfera da Chapada como a terra vermelha é do cerrado, algo assim. Eu tinha 20 e poucos quando parti para São Jorge à noite, sem reservar pousada nem nada, só para acordar no sábado já em outro universo. No breu da estrada e à luz de um milhão de estrelas, segui o conselho de um amigo e parei numa cabana de palha à beira da estrada.
No chão de terra batida, a mesa expõe as bebidas feitas por ele mesmo, com as mais variadas frutas do cerrado e abertas à degustação – sem limite de doses, o que significa visitantes frequentemente alegres.
Licor de Jatobá, buriti, pequi, sucupira, jenipapo. De Jabuticaba, pitanga, gengibre, abacaxi. Doces, geleias, pimentas. Tem de tudo no Rancho do Waldomiro, que, com o maior prazer, senta à mesa e conta suas histórias. “Tudo o que eu já fiz na vida, aprendi sozinho. Nunca ninguém me deu a receita”, conta, orgulhoso, aos 71 anos.
Dez anos depois, estou de volta ao rancho para provar a famosa matula – só depois fui saber que esse é o prato típico da Chapada dos Veadeiros, desde o início do século passado, quando garantia o duro dia de trabalho dos peões. Seu apelido hoje é feijoada do cerrado, e não é difícil saber porquê.
Carne de sol, carne frita, carne de panela e linguiça caseira. Tudo isso desfiado e misturado com feijão branco, farinha de mandioca e açafrão, servido em cima de folhas de bananeira.
Meio tutu, meio pirão, a matula desmente a máxima de que a primeira impressão é a que fica. Porque a cara dela, vou te dizer, não é das mais apaixonantes. Mas o sabor, olha… Nem sei quantas vezes eu repeti – e tudo era acompanhado por mais carne frita, arroz, paçoca, mandioca frita, tomate e abóbora. Pois é.
O Ministério da Saúde adverte: a mistura de sol, cachoeira, matula e licor significa prazer politicamente incorreto e incrivelmente perfeito.
Bora?
Rancho do Waldomiro
À beira da estrada para São Jorge, a 18 km de Alto Paraíso. Quando aparecer uma placa “MATULA”, pare!
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João Leite