Querida família: por que #NãoDá

Em 25 de outubro de 2022 por Dani Cronemberger

@veraholtz

 

Quatro anos atrás, publiquei o texto “Querida família: por que #EleNão” neste site que virou arquivo mas ainda amo, o Quadrado. Foi meu post mais lido, compartilhado mais de 10 mil vezes no Facebook, numa época em que isso queria dizer viralizar. Além de alimentar meu ego por exatos 5 minutos e reconfortar pessoas que passavam pela mesma decepção, qual foi o impacto eleitoral do texto na minha família? Zero, nenhum, com margem de erro de 2 pontos percentuais negativos.

Com essa consciência e, acho, um pouco menos de ingenuidade, volto aqui para me reorganizar. Lembram dos textões de desabafo no Face? Senti falta disso neste momento em que o stories e o tuíte são pequenos demais pra tanta coisa misturada por dentro.

Algumas fichas pesadas foram caindo nesses quatro anos. A primeira delas é que o problema não estava e não está na falta de argumento racional. Estou falando de pessoas privilegiadas, com acesso amplo à informação, que tiveram educação de qualidade e têm tempo disponível para pesquisar e checar os dados que recebem. Em 2018, achamos que essas pessoas iriam votar em um ser abjeto porque eram vítimas da lavagem cerebral de fake news, porque não tinham noção de quem ele era. Havia uma real incompreensão de eleitores anti-PT de quem este homem – que sempre foi corrupto, incompetente e desequilibrado – se tornaria com o poder nas mãos.

Em 2022, não existe mais incompreensão. É preciso um esforço sub-humano pra justificar esse voto.

Foram quatro anos estarrecedores, como previsto. A cada nova fala ou ação perversa, muitos de nós acreditaram que a maioria estava arrependida, envergonhada com um voto inconsequente. Quatro anos depois de uma lista interminável de crimes, de ultrapassarem o limite do impossível várias e várias vezes, diziam: ninguém vai continuar defendendo esse doentio. Não depois de tudo o que vimos e vivemos. A rasteira do 1º turno, que levou muitos de nós ao chão, foi enxergar a realidade: sim, eles continuam defendendo, depois de tudo o que vimos e vivemos.

O que faz uma pessoa esclarecida acreditar em uma mentira absurda e outra igualmente esclarecida, não? A psicologia vem tentando explicar: em muitos casos, a mentira não serve para formar opinião, mas para reforçar uma opinião já existente. Você explica por A mais B que a mentira é mentira, mas a pessoa vai atrás de outra que justifique sua ideia. A paranoia grotesca do medo, bombardeada pela máquina bolsonarista há anos, só cola em quem tem algum motivo para acreditar.

As fake news servem como uma paz de espírito que justifica o injustificável. As pessoas podem continuar colocando um criminoso desumano e perigoso no poder e se considerar pessoas de bem, porque “o comunismo”, “a Venezuela”, “o kit gay”, “o fim da família”, “as abortistas” são ameaças e os fins justificam os meios. A paranoia delirante e a ausência da verdade conseguem justificar qualquer perversidade – a extrema direita usou essa fórmula em vários momentos da História. A diferença agora é que as redes sociais e os algoritmos massificaram e globalizaram esse processo.

Existe também a justificativa mais polida: ser contra a corrupção. Em 2022, manter esse discurso virou enrascada, é fábula que ninguém acredita mais, nem quem diz acreditar. A lista de crimes cometidos, a falta de ética generalizada, as evidências escancaradas. 51 imóveis com dinheiro sujo e 100 anos de sigilo que o digam. Haja malabarismo para explicar esse voto com a palavra “ética”, mas sabemos que não é sobre isso que se trata.

Não se trata de fatos racionais, porque todos mostram que o país precisa se salvar desses perversos. Não é esquerda versus direita a questão, porque toda a direita democrática está ao lado de Lula agora: Alckmin, FHC, Simone Tebet, Amoêdo, Tasso Jeireissati. Não é economia o problema, porque os economistas respeitados pela elite liberal estão ao lado de Lula: Arminio Fraga, Pedro Malan, Persio Arida, Henrique Meirelles.

Do que se trata, então? Moral.

Não sou petista, mas voto no Lula pela moral que nos aproxima. Voto no seu olhar humano, amoroso com a diversidade dos brasileiros. Voto também nos 8 anos de governo democrático, que respeitou as instituições e os seres humanos. Que errou muito em muitas coisas, mas acertou em muitas outras: melhorou o acesso à educação e a condição de vida das pessoas mais pobres, priorizadas pela primeira vez. Voto na realidade incontestável de que ele é uma opção melhor – como governante e como gente está a anos luz de diferença do outro, um homem pequeno e cruel, que alimenta o que temos de pior.

No que votam as pessoas que ainda apoiam o perverso? É difícil admitir, mas aquele parente que ainda tem coragem de falar em combate à corrupção para justificar esse voto deve estar votando mesmo é pelo seu direito de continuar tratando as mulheres como propriedade. Passou a vida inteira livre para controlar e tratar mulheres como quis, para fazer piada com feminicídio, e agora não pode? Vamos falar a verdade, meu caro, seu voto é no machismo.

Aquele outro que é médico e viveu, ao vivo, o horror da pandemia com um presidente atuando para provocar o máximo de caos e de morte, que ouviu todo o horror daquelas declarações desumanas, precisa mesmo se apegar a fake news para justificar esse apoio. Mas deve estar votando é no privilégio, no incômodo com os direitos trabalhistas e o empoderamento de pessoas que antes diziam apenas muito obrigada, sim senhor.

Aquela prima cristã que comunga todos os domingos e acredita em toda teoria da conspiração envolvendo gays, negros e feministas que lhe aparece no zap, mas não acredita na intolerância religiosa dos bolsonaristas: no que será que ela está votando? A homofobia, o racismo ou qualquer outro preconceito precisa estar presente dentro de alguém, para que o medo da diversidade e da liberdade surta esse efeito.

Não é só eleição, a discussão é sobre moral e valores, o que elegemos como inaceitável e injustificável na vida.

Querida família e desconhecidos que ainda apoiam a desumanidade, se ainda restar alguém aqui: não dá.