O leite bom na cara dos caretas

Em 23 de fevereiro de 2020 por Carolina Nogueira

Amanhã é segunda de carnaval e não vai ter Divinas Tetas. É o aniversário de cinco anos do Bloco e nossa segunda de carnaval estará órfã amanhã de tarde. Não vai ter confete explodindo, fantasia de vaca, não vai ter Tieta, não vai ter Odara. O leite bom não vai estar na nossa cara. Nem na cara dos caretas.

Com dinheiro aprovado pelo FAC e todos os alvarás encaminhados com antecedência, o bloco foi embargado pela iniciativa dos nossos conhecidos de sempre: essa gente ruim que insiste em descarnavalizar as áreas residenciais de Brasília.

Essa gente que insiste no silêncio 365 dias no ano, que insiste em setorizar a alegria. Esses mesmos que acabaram com o Balaio, que encaretaram o Pinella, essa gente recalcada, amarga, que tem inveja de quem ama e é amado, tem inveja de quem namora com a alegria. A novidade foi que, dessa vez, eles tiveram um apoio de peso na amargura deles – da onde a gente menos esperava: a Universidade de Brasília.

É que o lugar que o Divinas escolheu ocupar com a festa – o gramadão no coração da Asa Norte, onde será um dia construída a SQN 207 – contém a previsão de construção de onze prédios que são de propriedade da UnB. E a UnB, por incrível que pareça, se voltou contra a alegria.

Procurada por alguns vizinhos que reclamavam da festa, o vice-reitor Enrique Huelva Urternbäumen emitiu um ofício covarde, alegando que a UnB não tinha sido ouvida sobre o evento, e pedindo que a Administração do Plano Piloto retirasse as autorizações que tivessem sido dadas pro nosso carnaval. Ele ouviu o conjunto da vizinhança das quadras? Se preocupou com os empregos gerados pela festa, os prejuízos dos organizadores, fornecedores, equipe? Não. Ele escreveu um papel e assinou.

A Administração de Brasília até tentou esboçar alguma solução, até a Justiça foi acionada mas foi peremptória: se existem terrenos privados ali, só com a anuência dos proprietários. (Detalhe importante: não tem placa dizendo que a UnB ou quem quer que seja é dono daqueles terrenos).

A briga jurídica seria até cômica – se não envolvesse o trabalho de um ano de vinte pessoas, o emprego de 200 no dia que o bloco sai e a alegria carnavalesca de outras 50 mil. Porque é uma briga sobre retanglinhos no chão.

Na prática a UnB é dona de onze projeções naquela área: onze terrenos onde um dia serão construídos prédios. Então em tese, o carnaval está autorizado pra acontecer em torno dos onze retângulos – dentro deles, a UnB não deixou. Foliãs e foliões só podem pisar neles se a UnB deixar.

Brasília é essa cidade incrível, cheia de áreas verdes por todos os cantos, que aparentemente estão destinadas a ficarem vazias, silenciosas e pacatas. Em todos os 365 dias do ano – sem tirar nenhunzinho, nem mesmo os quatro dias do carnaval. É pra isso que elas servem. Pra ficar vazias, pra serem vítimas de especulação imobiliária – alvos até mesmo por quem a gente menos acreditaria que pudesse ser.

Esse texto triste em plena folia é um desabafo (estou publicando isso literalmente no meio de um bloco) – e uma abertura de debate sobre o que a gente pode fazer agora.

Bora mandar vídeos pro Insta do Divinas, dizendo de que lado a gente tá nessa história?

Bora pensar seriamente sobre nossa capacidade de tolerar, quem sabe um dia até de gostar, da alegria alheia? Essa que a gente talvez nem entenda, mas possa respeitar, querer bem. Carnaval, no fundo, é isso: amar o desconhecido.

Bom carnaval, galera, apesar dos pesares.