Nosso vandalismo dói mais que o dos outros

Em 25 de junho de 2013 por Carolina Nogueira

itamaraty

Uma das análises de que mais gosto diz que as passeatas vêm lembrar que os políticos têm um chefe e esse chefe é o povo. Em outro canto, já não lembro onde, li alguém defendendo, e isso se afina com a linha de raciocínio do Bucci, que sem os episódios de violência, o recado não teria, não, sido o mesmo. Só levantando cartazes talvez o recado não fosse tão claro. Sem falar no outro argumento, mais popular e fácil, de que vandalismo de verdade são as condições da educação e da saúde no Brasil.

Ouço tudo isso. Concordo em algum nível com tudo isso.

Mas não posso deixar de dizer que, para uma brasiliense como eu, o vandalismo dos prédios públicos dói. Daqui de onde estou, graças a uma educação burguesa e também graças à sensibilidade que tem quem aprendeu a amar a própria terra, cada pedra jogada contra o prédio do Itamaraty na quinta-feira passada doeu fisicamente, bem aqui, no meio do meu peito.

Não quero cobrar das massas, a fórceps, a despeito da educação que o Estado não garantiu a elas, a consciência do que representam os prédios de Niemeyer, as obras de Portinari, Athos Bulcão, Alfredo Volpi que estão lá dentro, acessíveis ao público. Não se pode cobrar isso, especialmente não dos muito jovens, nem dos radicais que o Marcos Dantas tão bem descreve, camada da população difícil de prever e fácil de manipular.

Mas posso – e devo – pedir: não machuquem nossos prédios públicos. Eles contam a história da nossa cidade. Eles testemunham a construção da Brasília. Eles são nosso patrimônio. São gigantescas obras de arte – e sem eles, Brasília não é Brasília.

Precisamos mesmo estar nas ruas. Precisamos mesmo ocupar o espaço que ocupamos. Endureçamos – mas sem perder a ternura.

* Foto roubada da internet, se for sua e você não quiser vê-la publicada aqui, nos mande um email.

  • Cecilia

    Sou curitibana e moro em Brasília há pouco mais de dois anos, mas percebi que já sou candanga de coração quando meus olhos se encheram d’água ao ler que um dos vidros da Catedral, recém-reformada, ficou trincado após as pedradas que recebeu. O prédio do Itamaraty, então, nem se fala…atos bárbaros como esse me enchem de dor, tristeza, revolta, incompreensão…e muita, muita vergonha alheia 🙁

  • Aline Alonso

    Carol, só em ver as imagens pela tv doeu no meu peito também. Eu estava fora de Brasília, de 16 a 21/jun, e sofri muito mesmo não sendo brasiliense, porque esta é a cidade que me acolheu e que eu amo há 25 anos! Um beijo e Força na peruca!

  • Concordo plenamente! Eu, um baiano de Salvador, abraçado por está cidade linda! Acho que devemos protestar, mas precisamos separar o ato democrático do vandalismo que nos tira toda e qualquer razão!

  • Muito bom! Eu também “concordo em algum nível com tudo isso”. Não sou a favor do vandalismo, porém prefiro olhar para os símbolos do meu país e saber que eles têm cicatrizes de lutas (que também são história) do que contemplar a perfeição de uma arte intocada representando um povo submisso. Um coração forte tem/precisa de cicatrizes, e Brasília é o coração do Brasil.

  • Lucas Alexandre Neuhaus

    É impossível ficar alheio aos episódios de manifestações que vem ocorrendo em todo o país.
    Manifestações que nos últimos dias tomaram proporções maiores e como é de praxe do povo brasileiro se aproveitar de situações, não diferente vem acontecendo. Arruaceiros em meio a multidões, vandalizam, destroem e acabam com o que de concreto, os que têm realmente ideais, ideias que vem se afunilando e se tornando mais claras, pessoas que vêm construindo e lutando realmente para que esses ideais se idealizem. Sou totalmente a favor de manifestações e acredito, que sem elas “os que comandam o país”, não estariam buscando soluções para problemas que vem se arrastando por muito tempo e que tem que ser dado ao povo o que é do povo. Então, destruir algo que é público é destruir o que já é do povo e isso só traz prejuízo a nós mesmos.

  • Helena

    Senti a mesma dor que você. E não teria palavras tão apropriadas para falar dela.
    É dolorido ver que os os prédios públicos, que deveriam ser sentidos como nossos, são percebidos como “dos outros”. É isso que mora dentro de muitos de nós.
    Os prédios são lindos, são simbólicos e,sobretudo, são NOSSOS. Devem ser sentidos, vividos, cuidados por nós. Se essa relação com o bem público não muda, não mudamos um país.

    • Laura

      Isso mesmo, Helena! Eu ia deixar um comentário, mas era exatamente o que vc disse: o que é PÚBLICO, é NOSSO!! E não será destruindo o que temos que conseguiremos o que ainda falta… aquele abraço!

  • Bravo!

  • Daniel Castro

    A dor que eu senti quando vi o primeiro coquetel ser jogado pra dentro do prédio, enquanto eu me espremia na beira do laguinho pra testemunhar o que acontecia foi indescritível. Uns 5 metros acima da multidão, um painel de madeira do Athos Bulcão que vai de um lado a outro do último andar assistia de camarote aquilo tudo.

    Em menos de 1 segundo já me veio a imagem do prédio totalmente consumido pelo fogo, o concreto totalmente chamuscado e o fim do palácio que sempre tive orgulho de dizer quando passo com alguém ali na frente, ou mesmo pra mim: “Aquele meteoro ali é do Bruno Giorgi”.

    Quando alguém do lado reparou na minha reação logo me perguntaram “você trabalha aí?”. Não trabalho. Senti como se tivessem atingido a minha própria casa.

    • Georgia

      É isso, é nosso, é deles!

      • Karla

        Sentimento brasiliense! Doeu em mim também.

  • Paulo

    Em apertada síntese isso é resultado da falta de pauta de reivindicações. Há absoluta dispersão dos propósitos e dos objetivos que as pessoas se reunem; e para piorar ainda há os imbecis – porque não há outra qualificação – que se utilizam do espaço para depredar o patrimônio público.

    Não dá para trabalhar com a ideia de generalidade e de reunião de todas as pautas, notadamente quando há mistura de ideologias de esquerda e de direita num mesmo palco.

    Enfim, ao menos poderíamos ser poupados destas aberração que é a violência, porque de violência já basta a vivida no cotidiano.