Você deve ter ficado sabendo da polêmica sobre a proibição das brincadeiras no pilotis, do brincalhaço que aconteceu no prédio em questão e até dos bons exemplos que a gente descobriu na sequência dessa questão toda. Demorei pra escrever sobre isso porque admito: tenho uma dificuldade imensa nesse assunto. Não consigo entender como regras de brincadeiras foram parar em atas de condomínios.
No meu tempo, se bem me lembro, a gente começava brincando de escolinha na escadaria do prédio, de repente isso virava brincadeira de fita com todas as meninas trepadas na mureta do corredor, daí a gente descia pra brincar de pique-esconde, pique-bandeira e pique-altinho, depois a gente montava um clubinho numa cabana de tecido, ora no corredor, ora no jardim do prédio, depois a gente pegava os patins e… vou te contar um segredo: não existe superfície melhor no mundo pra deslizar um patins que um pilotis de prédio de Brasília. Ou pelo menos era, antes de terem metido granito em tudo.
No meu tempo nunca ninguém me mandou falar baixo, ou não andar de patins porque risca o chão, ou não deixar o clubinho montado no pilotis. Nenhum adulto, nem o porteiro, nenhum vizinho, nem o síndico, nunca veio, com um papel na mão, dizer o que pode e o que não pode fazer. Brincadeira era assunto de criança. A realidade é tão distante da atual que eu estranho até os termos em que isso é discutido hoje.
O episódio serviu pra deixar sacramentado que o pilotis é público e que brincadeiras são permitidas. Ótimo. É um excelente ponto de partida. Mas daí vem a turma da organização querendo estabelecer as regras, né?, porque senão vira bagunça. E eu te pergunto: mas qual a graça de brincar sem um pouco de bagunça?
É assim: pode brincar, mas não pode jogar bola. Ou pode jogar bola, mas não pode jogar bola “alto”. Bola pode, mas só se for de plástico. Patins e bicicleta não pode, porque risca o pilotis – embora eu nunca tenha visto um pneu de borracha riscar coisa alguma.
Achei lindo o brincalhaço, mas quero mais. Quero muito mais do que um dia de brincadeiras que os adultos organizaram pelas redes sociais – quero que as crianças organizem as brincadeiras delas, no dia que quiserem, sem necessariamente animadores intermediando… e sem tantas regras.
Tudo isso já foi mais simples. Já foi muito mais simples.
Que tal se a gente deixar as crianças em paz e, se acontecer algum problema, as famílias entrarem em diálogo e resolverem calmamente, com bom senso e empatia?
Brincar passa por deixar a imaginação fluir, deixar a criatividade mandar, testar o que pode acontecer se. E quando algum limite é ultrapassado, negociar com esse limite, negociar com um adulto, voltar, tentar de novo, recomeçar. Com proibição e tantas regras rígidas fica difícil experimentar qualquer coisa. Fica difícil ousar. Fica difícil crescer.
Foto linda da Irmina Walczak, do livro Retratos para Yayá