Peitos de fora, axilas cabeludas e até uma tragicômica fake news de mulheres fazendo cocô e sexo em igrejas foram algumas das cenas difundidas nestas eleições, que em alguns momentos pareceu, se não uma caça às bruxas, uma espécie de difamação das bruxas, reinventada na era do WhatsApp.
Em contraposição às feministas, mulheres limpinhas e cheirosas “contra toda aquela corrupção” formaram um cenário de preconceitos tão antigo quanto inacreditável em pleno século XXI.
Se o cenário surpreende parte de nós, para alguns estudiosos é quase esperado. “Backlash” foi o termo cunhado pela jornalista americana Susan Faludi em 1991 para descrever a “reação contrária” que se verifica quando há avanços nas agendas de direitos. No livro de mesmo título, ela descreve a reação que se deu na década de 1980, nos Estados Unidos, às conquistas feministas das duas décadas anteriores. O termo talvez possa ser aplicado também à atual era Trump.
No Brasil, estamos em pleno “backlash”. Não se trata de uma conspiração secreta contra as feministas, mas uma onda conservadora, muitas vezes inconsciente, que toma parte da sociedade que gostaria de manter o status quo que começou a ser questionado. Nela, surfam inclusive muitas mulheres sem entender que atentam contra a liberdade de escolha de outras mulheres. Ou talvez sem se importar com isso, defensoras de seus próprios privilégios.
A teoria da onda conservadora, essa reação contrária, também pode ser aplicada no caso de outras conquistas, seja do movimento gay, negro ou no caso de conquistas sociais. A notícia boa é que, se há reação, é porque houve avanço.
E o que fazer em tempos assim? Resistir, se unir, cuidar uns dos outros e continuar existindo do jeito que a gente é. Depois da eleição do Trump, nos Estados Unidos, acho que foi a filósofa Angela Davis que disse que, em tempos obscuros, artistas continuam produzindo, escritores continuam escrevendo, músicos continuam fazendo música… e aos poucos vão transformando de novo o pensamento hegemônico. Um olhar distante para o caráter cíclico da história parece quase essencial para se manter combativo.
Um amigo sociólogo, Rogério Giugliano, também disse de uma forma que achei bonita: “O confronto contra o fascismo e o obscurantismo em todas as suas formas – machismo, racismo, homofobia, alienação, autoritarismo – é uma batalha de vida e, como tal, vale a pena em si mesma. (…) Estamos diante do desafio de nossa geração e não temos o direito de recuar. É hora de nos juntarmos mais, de sermos mais solidários e combativos. É nesse espírito do companheirismo que devemos seguir na batalha até o último segundo.”
Dito tudo isso, aproveito para divulgar um evento que é um exemplo do que estou falando – “Diálogos em Movimento – Periferias contra o machismo”, que acontece até domingo na Casa do Cantador e na Praça do Trabalhador da Ceilândia. Vão ter shows, debates, filmes. Inclusive hoje, às 18h30, será exibido o corajoso curta-documentário “Em Defesa da Família”, sobre homofobia no Congresso Nacional e todas as diversas formas de existir em família, da nossa querida quadradete Daniella Cronemberger.
Que você continue nos presenteando com seus filmes ao mesmo tempo delicados e combativos, Dani, e vamos nos inspirar na musa suprema do Congresso Nacional, a deputada Luiza Erundina, 84 anos, que ontem declarou: “O desânimo é conservador, e a esperança é revolucionária.”
Foto: Mídia Ninja
Bora?
Diálogos em Movimento – Periferias contra o machismo
Faz parte do festival Elemento em Movimento, que acontece na Casa do Cantador, em Ceilândia, até domingo (21/10).
Programação de debates, filmes, feira: aqui
Programação dos shows: aqui