É melhor tombar o bom senso do que a cidade

Em 27 de agosto de 2013 por Dani Cronemberger

transverso

A tirar pelo descaso de quem foi eleito e de quem manda, o tombamento de Brasília já não vale grande coisa. É puxadinho daqui, destruição dali, e lá se vai (não sei pra onde) o projeto modernista e romântico da capital. Lindo e ingênuo como todo romântico.

Se ninguém consegue fazer cumprir o tombamento da cidade, deve ser porque ela é grande demais, né. Ninguém consegue manter a ordem de uma ponta a outra do Eixão, é pedir muito. Então venho por meio desta propor ao Iphan e ao GDF mais liberdade poética ao tombamento. Quem sabe eles dão conta?

Pelo tombamento do bom gosto! Quem transformar um prédio modernista num banheiro de quinta terá de pagar multa em prol de uma escola, a ser construída, de ensino obrigatório da disciplina: “O que é patrimônio público? O que é Brasília? O que sou eu?”.

A regra é retroativa, ou seja, os responsáveis por aquele portal greco-romano na entrada do Pontão não irão se safar dessa.

Pelo tombamento do bom senso! Quem desfigurar o gramado central da Esplanada com obras faraônicas, quem colocar uma cerca em volta do Congresso como se ali fosse o quintal de sua casa, quem autorizar uma propaganda bizarra de refrigerante ser o monumento de boas-vindas à cidade: pena de 10 anos de férias em outro planeta. Qualquer um, menos a Terra.

Por fim, pelo tombamento do bom humor. Quem reclamar de Brasília, do trabalho, da vida, por mais de 7 dias consecutivos e não fizer menção a qualquer mudança será enviado para outra cidade, ou para outro trabalho, ou para outra vida. O objetivo é que a perspectiva lhe inspire alguma coisa.

É isso. Vamos rir das nossas desgraças, mas sem deixar de levá-las a sério.

Foto: Coletivo Transverso.

  • pedernique

    Oi Dani.
    Na minha humilde opinião, o projeto de Brasília vislumbrava um país diferente, um mundo diferente e mais, uma sociedade totalmente diferente. Um lugar aonde os espaços públicos seriam lugares de interação e integração. Uma sociedade formada por seres mais plenos, com mais acesso a educação, mais integrados com o todo e menos preocupados com os próprios umbigos e com a valorização ininterrupta de seus preciosos investimentos.
    As lajotas, os portais, as cercas e tantos outros monumentos bizarros são uma demostração da completa falta de bom censo vigente, mas infelizmente, acho que somos minoria. Já reparou a quantidade de noivas que fazem books em frente a esses “monumentos”. Morei em um prédio na asa sul em que a síndica tentou fazer um projeto de restauração do prédio. A reação foi violentíssima pois, segundo a maioria, não valeria a pena investir dinheiro no prédio pra ficar com cara de velho(!). Estamos caminhando para um cenário tenebroso em que todo o DF vai ficar parecido com a W3 sul. Cada cabeça uma sentença!
    E pra não ficar só no blá-blá-blá de um utópico romântico, o pode mudar esse panorama são iniciativas como esse blog. Vocês expressando seus anseios e também as insatisfações acabam agregando pessoas interessadas em algo melhor. O mágico efeito multiplicador da comunicação. É isso, se é pra tombar alguma coisa que sejam as iniciativas do bem. Como é a de vocês!

    • Que bonito, Pedro. Vou tombar os amigos legais também. 🙂 beijo!

  • Faltou um pedaço do meu comentário:

    Eu concordo com tudo o que você escreveu, e embora eu tenha adorado todas as medidas propostas, temos todos esses poréns…;)

  • Oi. Gosto muito do blog de vocês. Fica aqui alguns comentários de uma arquiteta urbanista:

    1. O tombamento não contempla os prédios das superquadras, exceto os da unidade de vizinhança da Asa Sul projetados pelo Niemeyer. Então, na prática, revestir os prédios com aquelas cerâmicas *lindas* e de *ótima* qualidade, não fere o tombamento.

    2. O Lago Sul e o pontão com seu portal não estão na área tombada. Fora isso, desde que se cumpra gabarito e obedeça aos limites da projeção/lote, um determinado “estilo” arquitetônico não pode ser culpado de ferir o tombamento (vide o Setor Comercial Norte ou o Brasília Shopping).

    3. Até hoje Brasília não conta com uma legislação adequada de Preservação Urbanística. A meu ver, o crime é terem tombado uma cidade tão jovem e tão “crua” e nunca terem definido de verdade regras para que o tecido urbano pudesse se desenvolver preservando características originais e boas. Porque o que falta é um pouco de crítica. Lúcio Costa virou uma entidade e nós não pensamos mais, só reproduzimos o que acreditamos ou achamos que ele queria que fosse feito. Hoje se fala tanto em sustentabilidade e Brasília foi projetada para carros. Ok, Brasília é tombada. Vamos preservar e reforçar essa característica da cidade ou vamos procurar repensar e amenizar essa situação, transformando a cidade em lugar mais ameno, convidativo, integrador e, acima de tudo, justo?

  • Amei, amei o trecho “Quem reclamar de Brasília, do trabalho, da vida, por mais de 7 dias consecutivos e não fizer menção a qualquer mudança será enviado para outra cidade, ou para outro trabalho, ou para outra vida.O objetivo é que a perspectiva lhe inspire alguma coisa.”
    Gente que só reclama, esperando que reclamações resolvam o problema, é um pé no saco.