Eu e Brasília, crescendo juntas

Em 21 de abril de 2017 por Zuleika de Souza

 

Brasília tem 57 anos e eu quase 54. Nasci no Hospital de Base, onde nasciam as crianças do Plano, então praticamente cresci com a cidade.

Quando nasci, morava na 405 norte. Só tenho lembranças do que me contaram. Não me recordo como era ser um bebê no meio do barro vermelho, nem que era impossível tomar sol nos pilotis, que ainda estavam no contrapiso ou na grama que não existia.

Também não lembro do medo das mães com o cerrado alto, em volta da quadra, nem dos descampados – aqueles grandes espaços abertos que fizeram minha mãe ver, da janela do terceiro andar, a invasão da UnB depois do golpe.

Minhas memórias infantis são da 205 sul, já com 5 anos: os andares com cobogós, as amigas que moravam no fim tão longe do corredor. Já havia grama e, quando cortada, viravam cabanas, com as montanhas que a gente criava.

Eu e meus irmãos jogávamos bete com os vizinhos, corríamos dos Graminhas (os fiscais da Novacap que não deixavam jogar bola na grama), fazíamos pique-pega atrás das pilastras dos pilotis, e era muito bom.

Morávamos no quinto andar e ouvíamos quando a mamãe ou o papai nos chamava para subir, bem como planejou Dr. Lucio: o urbanista pensou em prédios com apenas seis andares para que os pais pudessem ficar de olho na criançada.

Estudei no jardim de infância e nas escolas classe da 204 e da 305. Só tenho uma mágoa: não ter estudado na escola parque da 308/307 sul, trauma que só superei frequentando bastante o teatro de lá na adolescência, onde vi muitos filmes e shows legais.

Um show inesquecível foi do Hermeto Pascoal, que, depois de mais de quatro horas de espetáculo, saiu tocando pela 308 e a plateia acompanhando, como no conto O Flautista de Hamelin.

Perto dali, devo ter ido a mais da metade das edições do Festival de Cinema no Cine Brasília. Vi bandas nascendo nos shows no Food’s, na Galeria Cabeças, no Bom Demais… O primeiro bar foi o Beirute, que íamos a pé ou de bicicleta, mesmo à noite.

Meu filho brincou menos do que eu embaixo do bloco, mas andou bastante de bicicleta. E eu, crescendo junto com Brasília, continuo pelas superquadras.

  • Isadora Bicalho

    Eu da mesma idade que seu filho, brinquei todos os dias embaixo do bloco. Morei na 308 Norte a minha vida inteira. Bom não toda, pois saí de lá com 22 anos. Mas para mim é meu lugar de voltar a memória, meu afeto de lar. Para mim Brasília e seus blocos, são momentos de sentir saudades dos meus 8 anos, aquele que não voltam mais. Adorei o texto e principalmente as fotos.