Para não perder a esperança

Em 10 de março de 2014 por Carolina Nogueira

bike

Um dos meus melhores amigos sofreu um assalto à mão armada ontem. Levaram o celular dele em plena quadra de esportes da 205 Sul, enquanto ele tomava conta da filhinha, que andava de bicicleta ali do lado.

Há coisa de um mês, eu tinha escrito um texto sobre a violência em Brasília que era quase um alerta contra os alertas exagerados. O climão de violência iminente que ganhou as manchetes da cidade depois de um janeiro especialmente violento espalhou um baixo astral que eu queria combater.

O que eu queria, e acho que continuo querendo, era convidar a cidade a não se deixar intimidar pela violência. Era quase um manifesto de resistência – que eu preferi não publicar quando me dei conta de que tenho mais perguntas do que respostas sobre este assunto.

No texto eu falava que tenho, talvez até mais do que antes, ocupado o espaço que me cabe nessa cidade. Que é todo. Tenho andado mais a pé, andado mais de bicicleta nos trajetos diários. Claro que tenho medo: deixo a carteira em casa, olho pra todos os lados possíveis – mas não deixo de cruzar o eixão pelas passarelas subterrâneas no meio da tarde. A cidade é minha, daqui não saio, daqui ninguém me tira.

Meu credo sempre foi: não dá para viver com medo de ser alvo – nem muito menos encarando o outro (especialmente o outro mulato, pobre, marginalizado) como uma ameaça em potencial. Me recuso a me trancar num shopping, a abandonar minha humanidade em favor de um “cuidado” difuso, intangível e provavelmente inútil.

Mas ontem meu amigo me contou que tudo isso tem a ver com o seu próprio episódio. Ele viu o cara estranho rondando a quadra. Mas se disse: “não vou embora, eu tenho o direito de ver minha filha andar de bicicleta na quadra num domingo de manhã”. E uma arma mostrou pra ele que, aparentemente, ele até tem o direito, mas não tem mais o direito a seu celular.

Estou tentando não perder a fé. Alguém aí me ajuda?

  • maria da Penha Felippe Barrozo

    gostaria de enviar um texto para vc. Como faço? meu número: 81322491 Penha

  • Obrigado pelo texto. Me deu uma luz para um artigo. Ah, sim, também tenho tentado recuperar a esperança.

  • Resistimos: uso a bicicleta para ir ao trabalho/academia/supermercado. não uso carro e seguimos a vida.

  • tuti

    Morei em Recife 28 anos, fui assaltado mais de 7 vezes, arma, maioria numérica, pegar e correr, até cortaram o bolso da minha calça com uma gilette uma vez que durmi na parada de ônibus. .. nunca deixei de andar na cidade. Nunca me importei com a perda do bem material, sempre agradeci não ter sido agredido.

  • Marcelo Pimenta

    E quando é que a LUOS vai ser tratada com tanto fervor quanto o PPCUB?!

  • elaine

    Cuidado para que sua esperança não te transforme na próxima vítima. Eu não tenho mais esperança, só tenho medo, e tenho que agradecer por meu irmão não ter morrido quando levou um tiro na perna ao se levantar para entregar a carteira solicitada por um bandido, enquanto tomava um acai em um restaurante em Taguatinga, cidade onde nascemos… o despreparado do ladrão nem a carteira levou, no fim das contas. A bala, continua lá, na perna dele, alojada para sempre, como lembrança da selvageria deste país.

    Para mim, o problema do Brasil não sao os assaltos.. os assaltos são o mal menor.. o maio rproblema é a facilidade com que os marginais tiram a vida alheia, parece que por prazer.. matam as pessoas como se fossem insetos… mesmo quando elas não apresentam resistência ao assalto.. como tirar o ódio que essas pessoas tem do próximo? O ser humano não tem como solucionar este problema, que no Brasil especialmente tem crescido de forma exponencial.

    uma revolução no sistema educacional, penitenciario e uma politica de controle de natalidade poderiam amenizar este problema no longuissimo prazo. Nenhum de nós estará aqui para ver.

  • Rodrigo

    Estou contigo. E com a Raquel que comentou acima. A maneira para não perder a esperança e para fazer a cidade mais segura é mesmo usando a cidade, ocupando-a, vivendo a cidadania.

  • Cara, eu aposto que fui a pessoa mais assaltada do distrito federal. coisa de 15 vezes. inclusive, no final do ano passado, no auge dessa “crise” de violência, eu fui sequestrado. nunca foi diferente e eu nunca deixei de sair de casa do mesmo jeito e andar pela cidade do mesmo jeito.

    em todas as ocasiões eu penso várias coisas do tipo: tudo bem, de uma forma ou de outra isso é distribuição de renda. eu sei que esse cara não vai precisar ou sequer saber usar a minha controladora akai apc 40. mas por que que eu posso ter uma dessas se esse cara não pode? por que eu posso crescer com amor, ouvindo jazz e indo ao teatro se esse cara cresceu praticamente no esgoto vendo neguinho sendo lindo na ilha de caras?

    eu entendo o ladrão. eu entendo o ódio dele.
    o que eu não entendo é a ganância da classe A. isso sim me dá ódio, repulsa, nojo, vontade de abdicar da minha vida pra lutar contra isso. pode parecer romântico dizer que o ladrão ta “certo”, mas eu JURO que a cada vez que sofro um atentado eu transfiro a culpa automaticamente, no mesmo momento, ao estado e à burguesia.

    se todos os seres humanos tivessem direito às condições básicas de existência: cultura, saúde, moradia, alimentação e transporte, o termo “segurança” nem existiria.

    a fé eu já perdi.
    perdi a fé na política, no estado, nos partidos, nos tribunais, nos parlamentos, na igreja, na polícia.

    ah, sei lá, to parecendo um “ativista de internet”, mas é verdade. eu perdôo os ladrões pobres. só não perdôo os ladrões ricos.
    o que eu quero é tocar meu violãozinho e fazer minha música, depois mostrar pra o máximo de pessoas que eu puder pra tentar tornar o dia delas um pouco mais interessante.
    e olha que não foi só uma vez que tive TODOS os meus instrumentos roubados (só de computador foram 3). enfim, essa é minha luta. quis compartilhar.

    boa sorte a todos. torcendo para uma vida mais fácil para nossos filhos, assim como para os filhos desses ladrões.

    • carolnogueira76

      Oops, valeu, do fundo do coração. Quando eu falo em ter esperança, não é ter esperança num mundo cor de rosa. É esperança nisso aí mesmo: numa cidade viva, uma sociedade que se reconheça.

    • Evie

      Sábias palavras. Viva a lucidez!

    • Renata Rezende

      Nossa, Oopss, eu não sei se fico emocionada com seu romantismo ou chocada com seu conformismo.

      Os ladrões fazem uma distribuição de renda colocando uma arma na sua cabeça e está tudo bem para você?!

      Eu, diferente de você, fui furtada uma única vez. Em uma festa cujo ingresso custava R$ 90, enfiaram a mão na minha bolsa e levaram meu celular, um iphone. Tempo de uso? Nove meses. Só entre pessoas que eu conversei na semana seguinte, descobri mais duas pessoas que tiveram o celular furtado durante a festa. Imagina quantos foram furtados ao total…
      Garanto que a quadrilha faturou, apenas nessa noite, muito mais do que eu ganho em um mês inteiro de trabalho.

      Quando eu contei, a um técnico do call center da Apple, como eles hackearam a minha conta sem sequer conectar o aparelho à internet, ele ficou abismado. Os caras eram inteligentes, com certeza não trocaram meu celular por uma cesta básica. Não foi a primeira vez, nem será a última.

      Eu cresci com amor e com boa educação. O jazz e o teatro eu conheci por conta própria. Nunca passei fome, mas tive o que tive por um esforço sobre-humano da minha mãe. Sim, sobre-humano. E esse foi o exemplo que tive em casa, de uma mulher extremamente batalhadora, que lutava diariamente para me proporcionar um conforto básico e uma educação sólida baseada em valores, para que eu tivesse condições de construir meu futuro.

      Talvez você ache que isso é ganância da classe A, mas eu acho que isso é apenas vontade de crescer, de ser melhor. Inclusive, acredito que é essa mesma vontade que leve o indivíduo que cresceu no esgoto a roubar.
      Eu levo minha vida honestamente, sem passar por cima de ninguém. E por isso a minha revolta com esse tipo de situação é tão grande.

      Eu fiz um freela, trabalhando mais de 13h/dia para ganhar uma grana que me permitisse comprar o meu telefone. Eu o comprei não porque se tratava de um gadget de luxo que a mocinha da novela tem. Comprei porque eu sabia do quanto ele seria útil e facilitaria a minha corrida rotina de trabalho e estudo.
      E dá um ódio mortal de que alguém passe a possuir algo que foi fruto de tanto trabalho e esforço de minha parte. Eu me sinto extremamente violada, desrespeitada, agredida e vulnerável*.

      E me dá medo, tristeza e um pouco mais de ódio em saber que vai ser assim por um bom tempo… caso eu compre outro celular, caso eu vá a pé para a faculdade a noite, caso eu pegue um ônibus para ir trabalhar, caso eu saia para me divertir.

      Eu concordo plenamente quando você diz que “se todos os seres humanos tivessem direito às condições básicas de existência: cultura, saúde, moradia, alimentação e transporte, o termo “segurança” nem existiria.”
      Mas eu não perdoo o ladrão, seja ele pobre ou rico porque aprendi que roubar é errado!

      • carolnogueira76

        Renata, dá pra concordar com você e com o Oops ao mesmo tempo, e eu estou fazendo isso. Existem milhares de ladrões diferentes, embora o roubo sempre seja errado. O fora-da-lei sempre existiu e, se perdoa-lo ou pelo menos tentar compreender o contexto que o move seja de fato tarefa para poucos, ignora-lo ou fingir não fazer parte da mesma sociedade bizarra que permite que uns tenham tantos e outros tão pouco também não ajuda em nada. Se fechar na classe AA não ajuda em nada. O que estamos falando aqui é menos sobre não se revoltar e mais sobre não desistir. Eu posso me revoltar E continuar na cidade, continuar “exposta”. Pra mim, sair do contexto é um preço mais caro a se pagar do que se expor.

    • Lafao

      e se o ‘burgues’ foi um cara que era pobre, ralou e conseguiu subir de vida? a culpa é dele se os outros não conseguiram? e será que todo ladrão ‘pobre’ é necessariamente um coitadinho sem condição alguma? ou é um cara que como o cidadão que subiu, poderia até ter uma chance na vida, mas preferiu ir pelo caminho mais fácil?

  • Aline Alonso

    Plagiando a minha xará aí de cima: tá difícil mesmo! Aqui no parquinho da 310 Sul uma mãe foi assaltada à mão armada, de dia, quando estava com seu dois filhos pequenos. Como no caso do seu amigo, também levaram seu celular. No último sábado, passeando com meu filhos e o cachorro, depois de ver um cara muito estranho vindo em nossa direção fui para baixo do pilotis de um dos blocos e esperei a figura passar. Infelizmente tive medo de perder o celular e expor meus filhos a algum tipo de violência. A que ponto chegamos, hein, Carol?

  • Raquel Fuzaro

    O que penso sobre o assunto: quando ocupamos espaços, estes ficam com a nossa cara…qual o espaço que estamos ocupando?
    Quanto mais pessoas estiverem nas ruas, praças e parques da cidade, mais protegidos estaremos…até porque lá estará a segurança pública para que “males maiores não aconteçam…” e nos dar a tal “sensação de segurança…”, o que nos deixa “seguros” <—-sqn
    O que quero dizer é que quanto mais ficamos fora destes espaços, pelos motivos mais que legítimos – nossa integridade física ou material…, mais ficaremos acuados e menos a segurança estará lá….
    Sou uma entusiasta das ruas da capital federal e acredito que a ocupação urbana é sim uma das formas mais "revolucionárias" de contrapor a violência. E digo isto falando da ocupação de todos os espaços públicos tanto do plano quanto das satélites! Esporte, cultura e lazer sempre fizeram bem às cidades e transformam muito as realidades locais.

    • Keyla

      Acho que é a única alternativa possível. Não haverá polícia para cobrir a vasta extensão de Brasília. A comunidade deve ocupar a cidade. Mas como é difícil, diferente de outrora, começo de Brasília, falar em comunidade. Não se vê mas grupos de crianças ou jovens brincando. Os parquinhos e as quadras de esporte estão reformadas. Precisávamos de um movimento de ocupação lúdico das quadras. E por que não um “isoporzinho” entre os vizinhos de vez em quando?

  • Se tem alguém roubando celular, relógio, tênis, bicicleta, corrente de ouro, tem alguém comprando. Tem alguém na outra ponta estimulando esse crime. É a peça da bike mais barata. É o óculos comprado no sinal. E será que em parte não é a turma que clama indignada por mais segurança? Esse é só um ponto.

    Outro ponto: não há segurança – no sentido repressivo – que resolva esse problema. Que a gestão da segurança no Brasil e do DF é incompetente nós já sabemos. Mas o fato é que nem dobrando o número de policiais vai adiantar, por que eles não podem ser onipresentes. Não há política pública de prevenção por meio de oportunidades. E não falo de oportunidade de emprego só. Sub-emprego talvez empurre mais pessoas para a marginalidade do que desemprego. Mal remunerado, desrespeitado, humilhado, cansado só de se locomover para e do trabalho por 5 horas diárias, o preto, pobre da periferia que já sofreu tantos “baculejos” na vida que começa a se perguntar se não vale a pena pegar a arma “dos mano” para “lucrar” em uma semana mais do que dois meses de trabalho penoso. Principalmente revoltado com o salário atrasado por 3 meses.

    Nós mapeamos onde a violência acontece mas eu nunca vi um mapeamento dos locais de origem dos que cometem crime. Partimos do pressuposto que eles vem da periferia e ponto. Será? Não seria isso a criminalização da pobreza. Será que não existem lugares pobres com menor ou maior incidência, ou seja, com maior ou menor carência de atuação social preventiva?

    Eu também tenho mais perguntas que respostas; Mas eu duvido que a resposta seja mais PMs nas ruas como simploriamente sugerem alguns.

    • carolnogueira76

      Concordo plenamente, Lincon. E só como exemplo deste caso específico, o ladrão que roubou meu amigo não era preto-pobre-craqueiro.

      • concordo plenamente (2)

      • Alessandra Anselmo

        Concordo totalmente, Lincon. Nós temos que resistir ao medo que querem inculcar na gente. Temos que ocupar nossos espaços!

    • Lafao

      mas aí vai da questão do carater da pessoa também. eu sou formado e tenho que me sujeitar à esses ‘subempregos’ porque infelizmente tenho que pagar minhas contas, e tento estudar pra concurso. se eu poderia pegar uma arma e sair fazendo coisa errada por ai? poderia, mas eu não faço por questões óbvias de princípios. não dá pra querer justificar tudo como uma questão de falta de condição. é claro que se não houvesse isso tudo que vc falou, iria diminuir sensivelmente a quantidade de crimes por aí, mas tem muita gente que infelizmente é pilantra mesmo, e se tivesse 1 milhão de reais na conta, continuaria cometendo crimes.

  • Aline Gabeira

    Tá dificil! Até pra descer com meu cachorro eu preciso de companhia e nao levo absolutamente nada! Se vc achar um pouco de esperança, compartilha com a gebte!

    • Ludmilla Flôres

      Perfeito!
      Não há esperança que resista quando nossa segurança deixa de prioridade para o Estado…