Olho com curiosidade para as pessoas que acumulam objetos em geral. Prateleiras imensas cheias de livros, gavetas lotadas de cartas, revistas antigas, recortes de jornal, diários da adolescência, agenda de 1992. Jogo tudo fora ou dou de presente sem nenhuma dor no coração.
E ainda assim, mudar de endereço e remexer meu baú – pequeno, mas cheio de significados – foi uma experiência intensa. No meio de tanto encaixotar e desencaixotar, você invariavelmente vai revisitar todas as suas fases, todas as pessoas que você foi e quis ser, os amigos que ganhou e que perdeu pelo caminho. E vai se tocar que, nossa, o tempo tá passando.
O meu desprendimento com objetos costuma ser compensado com um apego nada budista a lugares. Dizer adeus a um espaço é muito mais delicado. É como se eu me despedisse de quem fui ali dentro, e desgarrar-se de si, ainda que seja de uma versão ultrapassada e menos acabada de si, não é simples.
Pode não ser simples, mas é ótimo. Mudar, de endereço, de fase, de opinião, é saudável quando o modelo anterior se esgota, por ser insuficiente ou corrosivo. Não falo de mudança como um ato involuntário, de ser levado pela maré – isso se chama instabilidade, confusão mental. As minhas melhores mudanças vieram a partir da consciência de quem eu queria ser naquele momento e do quão afastada eu estava desse objetivo. E esse tipo de consciência só é possível quando se está presente na própria vida.
Tudo muito bonito de se ler, mas se despedir de si mesmo não é sempre poético. Às vezes é preciso se quebrar e colar tudo de novo, tirar as coisas velhas do armário, jogar fora e ir embora.
Eu, que nunca gostei de mudar de endereço, mudei a mim mesma. Achei que seria difícil deixar meu antigo espaço, mas não foi, nem de longe. Foi bom seguir em frente. Porque estou presente na minha vida e porque, nossa, o tempo tá passando.
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