Sem o FAC, como fica?

Em 28 de fevereiro de 2019 por Quadrado Brasília

Carol Nogueira
Dani Cronemberger

Pré-carnaval na rua e a cultura de Brasília só fala nisso: o novo secretário de Cultura do DF, Adão Cândido, disse que neste ano não terá edital do Fundo de Apoio à Cultura, o FAC. Alerta geral: como todos sabemos, o FAC é a principal força motriz da cultura nessa cidade. Sem ele, como fica? Fomos, claro, procurar a assessoria de imprensa da Secretaria de Cultura (Secult), que desmentiu.

A frase que o secretário afirma não ter dito foi ouvida por cerca de 30 integrantes do Fórum das Culturas Populares Tradicionais do DF e Entorno, numa reunião na última segunda-feira (25). O encontro aconteceu às 18h30 na sala Pompeu de Sousa, no anexo do Teatro Nacional.

Segundo as pessoas presentes que toparam conversar com a gente, Adão disse que não existe possibilidade de novos editais neste ano, porque os recursos seriam usados para pagar passivos de editais dos anos passados. Diante da surpresa geral, o secretário teria dito ainda que, se eles quisessem, o governo lançaria um edital para constar, mas não haveria dinheiro para pagar. E que seria “irresponsabilidade” dizer o contrário.

A conversa acendeu o alerta máximo, não à toa. Da Folia de Reis aos filmes que passam no Festival de Cinema de Brasília, as principais ações que fazem do DF um lugar vivo em arte, história e economia criativa, apesar de todas as dificuldades, só conseguem existir com o apoio do FAC.

Os recursos do fundo são ainda mais imprescindíveis na periferia, área historicamente esquecida pelo orçamento e pelos serviços públicos. Nos últimos três anos, um edital específico – o FAC Regionalizado – destinou R$ 23 milhões em projetos voltados para a descentralização cultural. Realizados em locais como Samambaia, Itapoã, Fercal, Brazlândia.

Em 2018, o Orçamento total do FAC foi o maior dos últimos dez anos: R$ 55 milhões investidos em mais de 600 projetos. Dinheiro que produz arte, educação, cidadania – mas, é bom lembrar, produz também milhares de empregos e milhões em impostos. Asfixiar a cultura nos parece um erro, inclusive, do ponto de vista econômico.

Resposta oficial
A assessoria de imprensa da Secult disse que o secretário “determinou que sejam priorizados os pagamentos dos editais de 2018 – que terão os resultados publicados a partir de março – e do passivo referente aos anos de 2016 e 2017 que, apesar de pequenos, ainda constam como residuais a serem liquidados num total de R$ 54 milhões.”

Continua a nota: “Após esse processo será analisado o montante disponível para o lançamento de novos editais do FAC, levando em conta os valores ainda disponíveis a partir da dotação orçamentária e do superávit, conforme prevê a Lei Orgânica da Cultura”. Segundo a assessoria, no entanto, Cândido não disse que não haverá edital em 2019.

A gente foi conversar com um produtor cultural que conhece de perto a gestão do FAC. Ele criticou o que seria “um total desconhecimento do fluxo histórico do FAC”.

“Finança pública não é padaria, não é uma execução que começa em janeiro e termina em dezembro. A lógica do FAC, e todo mundo que trabalha em Cultura percebe isso, é aprovar edital em um ano e pagar no ano seguinte. Não é razoável esperar zerar um ano para planejar o próximo. O que essa decisão vai gerar é um ano sem projetos culturais – e a descontinuidade de programas que fazem parte do calendário da cidade, como Porão do Rock ou Cena Contemporânea, para dar alguns exemplos”.


O que diz a Lei Orgânica da Cultura (LOC)
Criada em 2017, a lei diz que a gestão do FAC deve seguir o seguinte calendário:
– até 31 de janeiro, é publicado o saldo do exercício anterior (a Secult não informou de quanto é o saldo),
– até 30 de abril, é lançado o primeiro bloco de editais, contendo todo o saldo do exercício anterior adicionado da metade da previsão orçamentária do exercício em curso,
– até 31 de agosto, é lançado o segundo bloco de editais, com todo o saldo restante do exercício em curso.

A LOC também diz que uma das fontes de receita do FAC é essa: 0,3% da receita corrente líquida do Distrito Federal, o que ultrapassa os R$ 60 milhões. Esse valor, segundo a mesma lei, é proibido de contingenciamento ou o remanejamento para outras áreas.


Conexão Cultura paralisado
Um dos programas do FAC, o Conexão Cultura foi suspenso pela Secult por tempo indeterminado. O Conexão investe na formação de agentes culturais do DF, financia intercâmbios, residências artísticas e participação em eventos estratégicos. No ano passado, o programa apoiou 140 projetos.

Em nota no site oficial, a Secult afirma entender que o programa é “essencial para garantir a promoção, a difusão e a circulação nacional e internacional da cultura local e por isso trabalha para que o programa seja aperfeiçoado e normalizado o quanto antes”.


“Cine Brasília é um elefante branco”
Todas as pessoas da cena cultural de Brasília com quem conversamos têm se mostrado muito preocupadas com uma gestão da cultura que parece se pautar principalmente pela lógica da gestão financeira. Em outra reunião, com representantes do audiovisual, o secretário de Cultura teria dito que o Cine Brasília é um “elefante branco”. Na frente de outras pessoas, Adão Cândido fez as contas de quanto se investe e quanto se ganha com o cinema, como se um dos grandes patrimônios da cidade, com vocação de centro cultural, devesse se submeter a uma conta matemática baseada em lucro.

Antes de chegar à Secult, Cândido passou dois anos como secretário de Articulação de Desenvolvimento Institucional no Ministério da Cultura, durante a gestão Temer. Foi indicado pelo presidente do PPS, Roberto Freire. É muito cedo para entender a marca que o secretário pretende deixar. Por enquanto, fica a pergunta: nossa cultura será tratada como investimento ou como negócio?