O tamanho do descaso

Em 13 de maio de 2014 por Carolina Nogueira

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Era início da década de 1970 e o mundo como se conhecia em Brasília girava em torno da W3 Sul. Meu pai, um carioca recém-chegado na capital, vira e mexe aparecia no trabalho de sua irmã, bibliotecária no então Instituto Nacional do Livro, na 506/7 Sul. De tanto ir, acabou conhecendo uma colega dela, pernambucana com longo estágio em Belo Horizonte que, também ela e como todo mundo, acabava de chegar na cidade. Minha mãe.

A Biblioteca Demonstrativa de Brasília, que acaba de ser interditada e fechada ao público, não podia fazer mais parte da minha vida. Colocando de um jeito simples: não fosse por ela, eu não estaria aqui pra contar essa história.

Cresci visitando a biblioteca que minha mãe nunca deixou de chamar de INL, embora o nome mesmo tenha mudado há tempos. Minha infância foi marcada por saraus, clubes do livro, tardes de deveres de casa e leituras enquanto a mamãe trabalhava. Providencial, uma mãe bibliotecária.

Mais tarde, quando voltei a Brasília depois de uma temporada fora, não foi por acaso que escolhi morar na 306 Sul: eu queria estar ali do ladinho. E foi a vez da Biblioteca fazer parte da vida dos meus filhos, naquele ciclo lindo da vida.

O que mais me entristece neste fechamento, sinceramente, não é só o desalojamento repentino das 700 pessoas que, apesar do video-game, apesar do consumismo, apesar da vulgaridade e da superficialidade reinantes, passavam seus dias mergulhadas em livros. É pensar no tamanho do descaso do poder público pra fazer a situação chegar a este ponto.

Não foi um mês, um ano ou cinco anos sem manutenção, não. Provavelmente desde o tempo que minha mãe conheceu meu pai lá dentro ninguém nunca deu a mínima. Ninguém – a não ser a equipe e os frequentadores da Biblioteca, que agora se juntam em um abaixo-assinado.

Você pode fazer alguma coisa por este patrimônio brasiliense. É bem simples. Assine a petição. O pessoal está mobilizado, está organizado – e, em seu nome, eles vão levar essa cobrança a quem de direito.

Porque não é um pedido, não. É uma exigência. Em nome da comunidade de Brasília, da história de Brasília e da minha também: reformem, renovem, modernizem completamente a Biblioteca Demonstrativa de Brasília.

Bora?
Petição pela reforma completa e pela modernização da Biblioteca Demonstrativa de Brasília. Assine.

** E tem mais: domingo vai rolar um ato bacana no Eixão Norte pela construção do Centro Cultural da Asa Norte. Faço parte desse movimento e vamos falar mais disso no final da semana.

  • Mara

    A biblioteca me faz muita falta,requentei mas de quarenta anos,criei meus filhos ali ainda hoje a chamo INL.

  • MARINA RABELO

    Amanhã, dia 16, às 12h, tem abraço na Biblioteca Demonstrativa! Vamos participar deste momento!

  • Me emociona sempre sentir como vocês de Brasília defendem essa cidade, protestam contra o absurdo menosprezo pelo que sua história significa, contra a falta total de sensibilidade da administração local para a Cultura nascida nela – e dela. A preservação de Brasília depende é de vocês! Lá de cima, Dr. Lucio agradece.

  • Foi um depoimento emocionante, É muito gratificante saber que o nosso trabalho tem impacto positivo na vida das pessoas. Muito obrigada, Carol, hoje, não só ganhei o dia, ganhei minhas escolhas de vida.

  • nathaliacorvello@yahoo.com.br

    Assunto importante! Parabéns por trazê-lo à tona! É triste também saber que não é só a Biblioteca Demonstrativa fechada: o Centro de Dança, o Museu de Arte de Brasília, o Teatro Nacional… Todos fechados, e ainda ficarão assim por um bom tempo até a conclusão de suas reformas, ainda não iniciadas. Até parece que são prédios centenários, né? Quanto descaso numa cidade tão nova.

  • Ana Carla

    Carol, vc me emocionou. Como tantos, vivi outras estórias naquele lugar mágico…
    Tenho uma sugestão: façam chegar esse abaixo assinado ao Hamilton de Holanda…
    Ele era muito amigo da antiga diretora do INL, dona Conceiçao… Por décadas ela comandou a biblioteca, e faleceu ha uns três anos… Todo ano hamilton faz um show beneficente em prol da biblioteca… Tambem ele foi “rato” dali, durante sua voda estudantil… Se conseguirem levar ao conhecimento dele, poderia ser bastante produtivo…

  • Patrícia Costa

    Carol, tb. tenho um vínculo afetivo com essa biblioteca porque morei minha vida toda na 306 sul. Passava as tardes na sala de livros infantis, fui campeã de leitura do mês, estudei pro vestibular, tentei estudar para concursos… é muito triste ver isso principalmente porque a Conceição, que comandou a biblioteca até a sua morte, era muito amiga da minha mãe e se esforçava para transformar aquele local em um centro cultural. Contem comigo!

  • Malu Paternostro

    Adorarei fazer parte desta bela e importante iniciativa. Me emocionei com o texto, pois, apesar de jamais ter morado na Asa Sul, gastei muitas horas dos meus dias de infância ali, no Instituto Nacional do Livro. Eu também ainda o chamo assim. Nasci (1975) e vivi no Lago Norte até meus 29 anos. Frequentei unicamente escola pública até chegar à UnB, onde cursei Letras e paguei por uma faculdade de Direito particular. Os melhores e maiores colégios do governo na época ficavam na Asa Sul. Estudei na Escola Normal de Brasília, depois na Escola Classe da 103 sul, dois anos na Escola Classe do Lago e, já no segundo grau, no Setor Oeste (CESO). Como morava longe e a dificuldade de ônibus era tremenda (tinha que pegar e pagar por duas linhas, pois só quando eu já cursava o último ano do ensino médio passou a ter ônibus direto para a longínqua Península Norte), o INL era meu escape, meu refúgio. Ali eu ia para fazer minhas pesquisas nas volumosas enciclopédias, a leitura obrigatória da escola, descobrir novos mundos e autores e, muitas vezes para descansar, encontrar um pouso até que chegasse a hora de ir para as atividades extras na Escola Parque da 308 sul, no Centro Interescolar de Línguas (CIL), no Centro Integrado de Educação Física (CIEF). Ainda lembro do cantinho cativo no qual vivia minha introspecção e meu universo lúdico. Sim, nos anos 80 e 90 o descaso e a verba minguada para manutenção já era visível. Havia poucos ou únicos exemplares de títulos relevantes. Eu andava com sabonete e papel higiênico na mochila, pois uma certa hora não havia mais reposição. Acho que por isso a gente até frequentava mais a biblioteca, abraçando-a, para não deixar a casa cair. Vamos repetir o gesto!

  • Já havia assinado, e se pudesse assinava de novo. Usei, uso e ainda pretendo usar o espaço junto com meu filho. Já era absurdo um espaço desses escondido numa área próxima a várias escolas, e agora vem essa da falta de manutenção. Tem que recuperar! Antes que vire extensão do supermercado mal educado que de uns anos pra cá resolveu bagunçar o trânsito com desembarque de mercadorias nos piores horários.

  • Marcelo

    Belo texto, Carol. Fui o criador do abaixo-assinado. Fico muito feliz de perceber que as pessoas estão se mobilizando em favor da BDB. Precisamos coletivamente reverter o descaso. Eu já havia tentado antes a ouvidoria do Executivo Federal e o Ministério Público Federal, mas infelizmente não tive resultados – ou, pelo menos, nenhuma das duas instituições se preocupou com o fornecimento de uma resposta pública. Somente a mobilização de toda a sociedade local pode alterar esse quadro.

  • Aline Alonso

    Assinado Carol! Meus filhos também aprenderam a amar a BDB que eu tanto frequentei. Já fizeram colônia de férias e também já dormiram lá entre os livros! Que linda a história de amor dos seus pais <3