Quando eu era mais nova (sinal concreto de envelhecimento: começar uma frase com “quando eu era mais nova”), a locadora de vídeo da minha quadra era meu passeio favorito. Vivia lá conversando com o atendente, pegando dicas e convencendo ele a guardar algum cartaz pra mim. Aquele, aliás, era um momento de glória – até hoje lembro da felicidade de sair com o cartaz do Pulp Fiction enrolado nas mãos.

Sou da geração que começou a assistir filme em VHS e tinha de rebobinar a fita antes de devolver, se não pagava multa. Não é fácil pra alguém como eu ler o comunicado da Cult Vídeo, a última das locadoras do Plano, anunciando a decisão de fechar as portas no fim deste mês, após 23 anos de funcionamento. O Blu-ray, que veio depois do DVD, que veio depois do VHS, já é obsoleto há muito tempo, e a Cult também não resistiu, apesar da teimosia.

Nos últimos anos, vimos todas as locadoras sendo engolidas, uma a uma, pelo futuro. Até as mais resistentes, como a Loc Vídeo, a Oscarito e a própria Cult, que já chegou a ter cinco lojas. Enquanto escrevo este texto, uma amiga me indica um filme no Netflix e eu sugiro a ela outro na Apple Store. Esta é a vida real hoje, e nem a gente, da geração VHS, consegue escapar.

Minha amiga, que é cinéfila de internet, se surpreende quando digo que já tinha assistido ao filme no cinema. “Tinha me esquecido que você efetivamente vai ao cinema”. Eu respondo “cada vez menos” com melancolia. Volto a pensar na Cult e nas locadoras que fizeram parte da minha vida, com uma saudade que confundo com apego. Mesmo não querendo mais o passado de volta, às vezes é difícil se desgarrar dele.

Mas, enquanto sofro aqui, a Cult se despede sem tristeza. Os sócios vão aumentar as atividades da escola de audiovisual Espaço Cult, que já funciona no subsolo e no primeiro andar da loja. Saem as prateleiras de vídeos, mas o cinema vai continuar ali, no mesmo lugar.

Para os viúvos e viúvas da locadora, atenção: no dia 20 de janeiro começa o bazar para a venda de todo o acervo.