No último fim de semana, 12 mulheres de idade variada – dos 25 aos 55 anos – se reuniram durante oito horas em uma casa do Lago Norte para serem apresentadas às noções básicas de marcenaria.

Algumas porque querem de fato se dedicar ao ofício; outras para poder checar o serviço que outras pessoas, em geral, homens, fazem para elas; algumas ainda para desenvolver intimidade maior com máquinas e ferramentas. Há ainda aquelas em busca de um hobby para praticar habilidades como precisão e paciência, em tempos de aceleração da vida – este hobby, no caso, no imaginário e na prática, ainda muito ligado ao masculino.

Permitir que mulheres façam quaisquer tipos de tarefas elas mesmas e que continuem adentrando universos masculinos, como já vêm fazendo em tantas outras áreas, é um dos objetivos da idealizadora da iniciativa, a socióloga Larissa Barbosa.

A ideia de promover esse tipo de iniciativa veio há uns dois anos, quando ela fazia doutorado em Sociologia na área de gênero e trabalho e seu pai faleceu. Dele, herdou a loja de ferramentas e ferragens Casa Amarela, que desde a década de 80 existe em Valparaíso (GO), a cerca de 40 km de Brasília. Inicialmente meio sem saber como relacionar aquela loja com ela mesma, Larissa decidiu criar a marca Fenda Maria.

O objetivo é vender ferramentas, ferragens e máquinas para o público feminino (mas não exclusivamente), já que muitas vezes nós, mulheres, ficamos tímidas com nossas dúvidas mais básicas sobre um universo muitas vezes desconhecido. Isso já acontece na própria loja Casa Amarela, onde a vendedora Joelma dá conta do recado. Mas também passará a acontecer por meio de um catálogo pela internet e visitas em casa.

Além disso, a Fenda Maria promoverá cursos na linha “faça você mesma”. O primeiro –  o do último fim de semana, com a professora de marcenaria e design em São Paulo Fernanda Tosta –  foi um sucesso. As alunas construíram uma caixa de ferramentas, ganhando um pouquinho de intimidade com máquinas como furadeira, lixadeira e tico-tico.

Algumas querem se aprofundar na prática, e a Fenda Maria planeja nova aula na área, além de estarem no horizonte cursos de serralheria, pedreira e mecânica. Já marcado na agenda, para o dia 24 de março, está o curso de reparos, que será ministrado por Cecília Bona – criadora da Bona Conserta, prestadora de serviços gerais para mulheres. No curso, o básico da manutenção de uma casa, como furar parede, trocar chuveiro e instalar tomada.

Segundo Cecília, muitas mulheres não aprenderam esse tipo de serviço porque não tiveram a curiosidade estimulada ou por acharem que não tinham a competência. Artista plástica e designer de produtos, por formação, e curiosa de personalidade, ela foi adquirindo as habilidades aos poucos, seja fazendo instalações artísticas com luz ou montando exposições, até fazer curso de elétrica.

Cecília teve a ideia da prestadora de serviços de mulher para mulher a partir da constatação do desconforto e do receio de mulheres de estarem sozinhas e receberem o tal do “marido de aluguel” em casa. Ela observa ainda que muitos prestadores de serviço não explicam direito o que estão fazendo, por acharem que as mulheres não vão entender, por exemplo.

Imagino que a sensação de, sozinha, receber uma mulher para consertos em casa seja a mesma que entrar em um Uber em uma madrugada e encontrar uma motorista mulher. Dá aquela tranquilidade e certeza de que você não vai ser paquerada, assediada e que vai chegar segura em casa. (Desculpem, homens respeitosos, pela generalização, mas são séculos e mais séculos de pequenas e grandes violências e agora todos vocês, como gênero, têm de ganhar nossa confiança novamente.)

Sabe, vejo que nós, mulheres, adentramos pouco a pouco vários universos antes exclusivamente masculinos, em alguns casos ajudando a transformá-los. Mas sinto que o contrário – homens se aproximando de espaços originalmente femininos – tem ocorrido de forma mais tímida. Vocês também são vítimas do machismo e muitas vezes também ficam restritos a determinados espaços estereotipados. Vamos misturar tudo?