É preciso fazer justiça à ausência de buzina

Em 03 de dezembro de 2013 por Dani Cronemberger

buzina

Shhhhhh. Desliga o som, presta atenção: você está dirigindo numa cidade com uma frota de quase 1,5 milhão de veículos, num vai-e-vem frenético pelas retas do eixão e do eixinho, e pelas curvas das tesourinhas e dos balões, e ninguém buzina. Isso: ninguém buzina.

Ok, aqui e acolá alguém mete a mão e interrompe o silêncio com um xingamento sonoro. Mas é algo raro, bem raro, certo? Pra você que nasceu em Brasília e acha que a ausência de buzina faz parte da ordem natural das coisas, vou revelar uma coisa: não, isso não é normal.

É preciso fazer justiça à maravilhosa ausência de barulho, que nunca ganha tanto destaque quando o barulho em si. O nosso pacto de silêncio no trânsito, um mistério da tradição cultural brasiliense, ainda em sua fase pré-natal, é uma das coisas mais incríveis desta cidade.

Sem medo de exagerar, ouso dizer que a ausência de buzina é um dos fatores mais importantes para garantir a nossa “qualidade de vida”. Digo isso porque já morei numa cidade que eu amava, mas que tinha um trânsito culturalmente barulhento, e sei o que isso provoca na sanidade mental de alguém.

O manual para transformar uma pessoa em psicopata é simples. Largue-o num trânsito onde, antes de o sinal abrir, o carro de trás já grita enlouquecidamente para que o da frente ande. Todos os dias, em todos os sinais, em todas as esquinas. Foram precisos poucos meses para que eu começasse a distribuir meu dedo médio pelas avenidas e a gritar nomes que deixariam minha mãe bem triste, coitada.

Além de soltar os monstros que habitam em mim, a cultura da buzina trazia consequências mais profundas e perenes: o estresse diário se alastrava, em maior ou menor grau, no meu trabalho, nas minhas relações, na minha convivência com a cidade. Era a tal qualidade de vida que ia sendo envenenada, pouco a pouco, pela gritaria coletiva.

O velho clichê segundo o qual só damos valor a algo depois de perdê-lo foi confirmado também no meu caso de ódio com a buzina. Foi depois de me afastar do silêncio que passei a amá-lo com todas as forças.

Não, o nosso trânsito não é perfeito. Sim, Brasília também tem muito maluco e barbeiro solto por aí. Prova disso é que hoje, no caminho para o trabalho, eu pequei. Um @#$*#& me fechou bruscamente no eixão e perdi a paciência. Buzinei sim, admito, mas escrevi esse texto na tentativa de me salvar da perdição.

Que eu, você e o @#$*#& que me fechou hoje continuemos em silêncio. Amém.

Foto: Bsb Memo Memorabilia

  • Carolina Adriano

    Ola, boa tarde. Procurando sobre o que fazer em Brasília, me esbarrei no seu blog, que por sinal é muuito legal. Sou de Goiânia e há 1 ano moro em Brasília. Sou goiana nascida e criada, comedora de pequi, conhecedora e apreciadora de cada cantinho da minha terra natal. Há um ano em Brasília, só agora decidi dar uma chance para a cidade que me acolheu. Passei 1 ano reclamando de tudo da cidade e agora resolvi abrir meu coração para o que o ‘quadradinho’ tem para me oferecer. Adorei as dicas e o formato do blog, mas eu preciso fazer uma observação. Em Brasília vocês buzinam pra caramba! Putz, todo dia eu levo uma bela buzinada. Já pensei em ir no Procon denunciar a placa de ‘Em Brasília evitamos buzinar’ por propaganda enganosa. E não é que sou barbeira não. Escuto buzinas o tempo. Eu odeio buzina e fico irritadíssima quando buzinam pra mim ou para qualquer outra pessoa. Por isso, sou a favor de mudar a placa para: Em Brasília evite buzinar!

    • Muito boa sua observação. Comecei,depois de três anos de habilitada,a tomar coragem e enfrentar o trânsito,há pouco mais de dois meses. Não está fácil,também odeio buzina,até porque além de não resolver nada,ainda cria mais problemas de toda natureza. Outro dia,voltando da escola com meu filho de sete anos,fui fechada por um camarada,que com certeza se achava mais merecido do que eu. Não me intimidei e nem por isso buzinei,se ele tiver um pouco de sensibilidade,não ter levado um ‘buzinaço’ foi ainda pior,porque na minha humildade,não aceitei provocação. Estou sempre com meu filho de sete anos,meu companheiro de viagem,se eu der mal exemplo,que tipo de condutor estarei colocando nas ruas daqui uns anos? Não!!! ISSO TEM QUE ACABAR!!!

  • Márcia Cardoso

    Adorei! A gente tem que voltar a ver e sentir o que é bom! Reclamamos pra melhorar o que tá errado. Beleza! Mas se perdermos a sensibilidade pro que tem de bom, lascou, né?!
    Gostei muito do que vi e li por aqui. Parabéns e vou voltar!xr5

  • jacinto pinto

    Não concordo, também admirava o fato da gente não buzinar , entre tanto , hj em dia o trânsito esta tão caótico e anda parecendo que as pessoas esqueceram como dirigir. Sou a favor da buzinada leve, um toque. Pra gente melhorar mais a cidade

  • Mari

    Realmente é mais tranquilo um trânsito sem buzinas. E eu também buzino para infelizes que me fecham, não consigo evitar. Em uma destas, uma má motorista me adverte: “Em Brasília não buzinamos!”. Ok, obrigada por avisar. Mas a falta de educação e respeito foi dela, a brasiliense.

  • Lisaura Cronemberger

    Perfeito!!! Parabéns!

  • Ana Luiza Chalub

    Clap! Clap! Clap!