A cidade afetiva

Em 31 de janeiro de 2013 por Carolina Nogueira

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Brasília é tão jovem que talvez nem inspire isso, mas eu vivo uma relação afetiva séria com todos os lugares onde vivi. Voltar a um velho prédio, a uma antiga casa, à escola onde estudei, é um pouco visitar quem eu fui.

Você já foi no bloco da sua infância? Já conseguiu driblar o porteiro e subir lá no seu andar? Pois devia. Mil coisas me atravessaram nessa experiência regressiva. O corredor parecia ter encolhido, as paredes da minha memória certamente eram tão mais largas… Como cabiam patins, bicicletas e tendas naqueles poucos metros quadrados?

Menos divertido foi voltar à velha escola: ah, capitalismo… Com que velocidade você transformou nossos bucólicos pátios em prédios modernos, em mais salas de aula, em ainda maiores quadras de esportes…

Não é bonito pensar em quantas cidades afetivas cabem numa mesma cidade? Vivia até outro dia numa esquina afetiva dos meus pais sem ter a menor ideia disso.

Eles vieram pro café e se preparavam para comprar pão aqui perto quando perguntei esperando o óbvio: “Vão na Boulangerie?”. “Não”, eles respoderam, “na Casa do Pão”. E começaram a contar uma história linda da época em que ela trabalhava na Biblioteca Demonstrativa e ele passava todo dia, menos interessado nos livros do que na mocinha do setor de empréstimos.

E eu que nem sabia que a padoca da W3 contava tantos anos de forno.

Bora?
E você, hein? Que lembrança Brasília te convida a visitar?

  • genial!

  • Mariana

    Ai, nossa, tem tantos lugares que me despertam essa sensação…Eu mudei de “bairro” e o meu dia a dia é tão corrido que parece que eu mudei de cidade. Assim, quando vou pro lado da 302 sul, minha antiga quadra, busco na minha cabeça “o que mais eu tenho pra fazer aqui por perto”, pra ficar mais um tempinho curtindo a nostalgia.
    Outro dia até tirei uma foto dos azulejos do meu prédio, e mostrei pros meus filhos aonde ficava a “Avicultura Eduardo”, aonde eu comprava meus peixinhos e, depois, periquitos, que ficavam nas gaiolas presas na área de serviço pelos buraquinhos dos cobogós kkkk.

    • carolnogueira76

      É bom, né, Mariana?! Lembrar e dividir isso com nossos filhotes!

  • monica

    nossa, vieram tantas lembranças gostosas…

    – o churros do tio que ficava no caminho pro ponto de ônibus na 713 sul. era quase obrigatório sair da escola morrendo de fome e dar um uso delicioso aos passes estudantis;
    – as oficinas que rolavam no espaço renato russo. quem não fez um curso de cinema com o moriconi por lá?;
    – andar pelas 700 vendo o chão tingido pelos jamelões;
    – feira de música no teatro garagem, alternada com o jogo de cena;
    – as maioneses enfeitiçadas do trucks.

    e estas são da infância:

    – pisar nos pés das estátuas em frente à catedral esperando que elas reclamassem;
    – a banca de flores secas também ali na catedral;
    – jogar moedinhas no laguinho do alvorada e tentar ver as emas que nunca estavam lá (meu pai sempre passeava com a gente pelos pontos turísticos de brasília, mesmo com a gente morando aqui. adorava ir váááárias vezes);
    – acordar cedo no domingo só pra comer o biscoito de queijo que chegava quentinho da feira do guará, deixando o saco de papel molhado de óleo. hum, que saudade!!!

    • carolnogueira76

      Que delííííícia Mônica!!! Pisar nos pés das estátuas!! Quem nunca?!?! 🙂

  • Você escreve tão bem que despertou uma nostalgia que eu nem tiver tempo de ter ainda direito! Parabéns pelo texto

    • carolnogueira76

      😉 Essa saudade que eu sinto de tudo o que ainda não vi! 🙂 Aproveita sua cidade HOJE, que você vai ter muito pra se lembrar daqui uns anos!

  • pedernique

    No ano passado me mudei para a 305 sul para o mesmo prédio em que os meus avós moram desde que nasci. Se eu deixar, cotidianamente adentro num desses perigosos túneis saudosistas em que “tudo era mais legal”.

    Passávamos o dia inteiro brincando debaixo do bloco. Aprendi a andar de bicicleta nessa quadra. Conheço cada curvinha, todos os quebra-molas, o desenho do meio fio. Acompanhei o plantio, o crescimento e o fim de inúmeras “árvores-amigas”. Era uma relação orgânica mesmo, tipo suor, sorrisos e terra vermelha! Rs

    No Cine Brasília rolava a matinê infantil aos domingos, havia o Trucks na 108 onde comíamos crepe “macaquito” e tomávamos Milk shake naquelas bandejinhas encaixadas no vidro do carro (!). Casa do Pão de Queijo, Pizzaria Prima, Lanchonete Zeppelin, Camisa 10, supermercado Slavieiro, Casa do Barato… A dinâmica capitalista tem realmente como consequência essa quebra abrupta de locais que são verdadeiras referências afetivas.

    “Vão-se os anéis, recordar é viver, mas navegar é preciso”. E vocês duas estão fazendo o povo navegar.

    Beijos

  • Georgia

    Toda vez que passo pela 309 norte me lembro do descampado e dos montes de terra vermelha que eram uma grande pista de bicicross, bem no estilo E.T. Eu morava na 308 e na 309 não tinha nada, nem comercial!
    Quando quiser matar as saudades da 204, passa lá em casa pra tomar um café, ou melhor, um chá, lady gray, de preferência.
    bj
    #amobrasília

    • carolnogueira76

      Vou mesmo, Geo! Convida não que eu apareço!

  • Linda, outro dia voltei na 204 sul pra deixar um amigo e nossa… bateu uma experiência regressiva gigante! aquela quadra de esporte, a banca do seu Aquino, o meu bloco… quis voltar lá pra passar mais tempo e seu texto me lembrou disso, vou voltar correndo!

    • carolnogueira76

      Ai, Dani… As aleatoriedades da vida… Se nossas mães soubessem o que ia render aquele transporte solidário! 😉

  • Muito bonito sentir o carinho que têm pela cidade. Brasília precisa muito disso! Parabéns

    • carolnogueira76

      Brigada, Cristiano! Legal ter você com a gente!

  • Aline Gabeira

    Eu sai de brasilia as 10 e voltei casada aos 23 anos de idade. FOi muito legal rever tudo que eu tinha vivido. E o mais legal é ter a possibilidade de trabalhar na escola onde eu estudei! -rs
    Otimo post, como sempre.

    • carolnogueira76

      Aline, acho que pra quem fez essa pausa, a cidade afetiva faz ainda mais sentido, né? Brigada pela companhia!

  • Morei dos zero aos 27 na 207 Sul. Meu pai ainda mora lá e todo mês (amanhã mesmo tem) tenho encontro pra almoço com o pessoal de lá. Temos um grupo de 10, 15 amigos (as vezes mais, as vezes menos) que sempre estamos nos encontrando, recontando as mesmas historias mil vezes e rindo da mesma forma de cada uma delas. Alguns dos amigos ainda moram lá (poucos, é verdade).

    A minha quadra mudou muito, mas tem uma coisa que nenhuma outra tem: o fato de n”ao ter escolinha (como toda quadra, em tese, tinha) deixou um vasto campo de futebol, que sempre foi o grande meio de integração. Até hoje ainda tem jogo de futebol lá. É bem verdade que a rabugice e a intransigência dos nossos pais (que viraram avós xaropes) acabou com boa parte da diversão. E o poder aquisitivo acabou com o espaço pra jogar bete ou vôlei ou corrida de bicicleta.

    Mas como a gente viveu muito lá, a memória tá sempre viva, até os tempos de hoje. Muitos porteiros ainda são os mesmos. O cara da banda é praticamente um ícone, pro bem ou pro mal, por lá.

    E até mesmo o comércio foi o outro dia tema de memórias bem longíquas. Tentamos lembrar quais lojas estavam lá no fim dos anos 70 e começo dos 80 e que ainda estão. São poucas, pela última lembrança: Casa do Rio Grande do Sul, a Drogaria Santa Mônica, a Flores da Alvorada e a Sapataria e os barbeiros do outro lado da rua. Mas a gente sempre lembra dos que passaram por lá e nao duraram bastante tempo, como a Pao e Companhia, a Comercial de Couros Paulista, a Frutaria Yoshida, o Crack´s Lanches, a Casa Sandra. E de outros que abriram e fecharam rapidinho, como a TEniis e Cia e a Rótulo 44, o cara da pizza frita.

    Tenho um carinho todo especial quando volto lá pra visitar meu pai. Sempre passo um tempão olhando a janela da sala dele. Parece que a história da minha vida vai passando diante dos olhos.

    Beijocas

    • carolnogueira76

      Vish, você lembrou de cada uma!!!