Graça Ramos
Doutora em História da Arte
W3 – Divergentes Brasílias é a exposição de caráter mais político realizada por Zuleika de Souza. Ao expor distintas paisagens que compõem a mais depredada das regiões do Plano Piloto da capital federal, a fotógrafa propõe importantes reencontros. O dos brasilienses, em especial os vizinhos daquela região, com o Espaço Cultural Renato Russo; e o do querido centro de atividades com sua vocação. A de ser polo aglutinador e provocador de gentes tão variadas quanto se tornaram as arquiteturas que demarcam hoje a avenida em seu desenho de norte a sul.
Ao plotar as imagens em adesivos aplicados diretamente na parede e criar amplos mosaicos que exibem grande número de cenas, texturas, e também alguns personagens, Zuleika traz a W3 para o interior da Galeria Parangolé. Produz efeito caleidoscópico. No lugar de girar um instrumento ótico, visitantes se movimentarão e poderão ser surpreendidos com profusão de cores e formas. A junção das imagens chega a provocar a sensação de que a fotógrafa recorreu à linguagem do grafite, tão frequente ao longo da avenida, desejando inscrever nas paredes da galeria o discurso contestatório da W3. Percorre caminho apontado por Celso Favaretto sobre a série Parangolé, de Hélio Oiticica: constrói uma poética “do precário e do efêmero”, talvez inspirada pela feliz nomeação da sala expositiva.
Nesse que é raro ensaio fotográfico destinado à avenida após sua construção, Zuleika retoma ao marcante de sua trajetória. Debruça-se com alegria e ironia a captar a essência desse patrimônio ameaçado pelo descaso geral, mas vital em suas muitas e intuitivas formas de sobrevivência. Mesmo quem imagina conhecer bem a avenida, descobrirá novidades, algumas inusitadas, tanto na lateral destinada ao comércio como naquela dedicada às casas e às praças. Há exuberância de criatividade, de desatinos, de contrastes e gambiarras no corpo que se derrama acima das superquadras.
Soberana em sua resistência, a W3 anda necessitada de cuidados, de ações efetivas de políticas públicas. A começar pelas calçadas da área comercial que transformam um simples passeio em aventura perigosa. Porém, o cuidado maior que reivindica concentra-se na ordem política do afeto. Necessitamos, coletivamente, voltar a olhar a avenida como espaço do indispensável. Ela fez-se síntese do projeto racional – o seu ordenamento cartesiano – que permite em seu interior inúmeras e variadas formas de manifestação. Algo que o título da exposição deixa explicitado, pois a W3 compõe-se divergente, talvez mais do que qualquer outra área da cidade modernista.
Quando o embaixador Wladimir Murtinho pensou e concretizou o espaço cultural da 508 – devo dizer que a antiga nomenclatura me encanta ainda hoje – vislumbrou que ali a cidade se reuniria com mais facilidade. Devido à localização privilegiada; à proximidade com a Escola Parque; à vizinhança com o pecaminosamente extinto Cine Cultura e à facilidade de deslocamento pela presença de muitos pontos de ônibus. Nesse ambiente efervescente, sem distinção de classe, era possível aprender técnicas nas muitas oficinas oferecidas (adolescente, frequentei as de fotografia e HQs); assistir a espetáculos teatrais e usufruir filmes não comerciais. Enfim, um lugar de formação de plateias, e também de atores sociais.
Ao voltar-se para a W3, com a inédita exposição de Zuleika de Souza, a nova direção do espaço reforça tal formação de cidadania. Oferece a possibilidade de discutir caminhos para fortalecer a avenida como importante elemento de nosso processo cultural, um bem vivo capaz de instigar a cidade tombada Patrimônio da Humanidade.
Bora?
W3 – Divergentes Brasílias
Exposição fotográfica sobre a W3 Sul de Zuleika de Souza
Espaço Cultural Renato Russo – 508 Sul
Abertura nesta quinta (20/12), das 18h30 às 21h30
Evento no face: aqui
Até 26 de janeiro, entrada franca