Talvez você já tenha tido a mesma alucinação que eu. Início de noite, você chega em casa após um dia cansativo, louco pra mergulhar de ponta no sofá. Eis que não dá para acreditar: seu vizinho querido, ou o filho querido do seu vizinho querido, está treinando Escravos de Jó no piano, frenéticamente e sem pausa, há 40 minutos.
Antes que eu me transformasse no Michael Douglas em Um Dia de Fúria, resolvi desabafar sobre minha tragédia pessoal no facebook. Foi quando descobri, graças à sabedoria dos meus amigos, que não, não era o fofo do vizinho que me provocava um surto psicótico. Era o caminhão de lixo da coleta seletiva.
Então. É bom repetir, caso alguém ainda esteja paralisado com a notícia, como eu fiquei: o caminhão de lixo da coleta seletiva toca Escravos de Jó. Mas não é um Escravos de Jó qualquer, não, meu amigo e minha amiga. É uma versão alucinante, tocada em ritmo acelerado, repetitiva e em alto volume – afinal, eu achei que era o lindo do vizinho.
E tem mais! A musiquinha repete só a primeira estrofe, que alegria! Repita mentalmente comigo, imaginando que cada sílaba é uma nota de piano, em velocidade máxima: “Escravos de Jó jogavam caxangá, escravos de jó jogavam caxangá, escravos de jó jogavam caxangá, escravos de jó jogavam caxangá, escravos de jó jogavam caxangá”.
Agora pense em repetir isso durante 40 minutos, que foi o tempo em que o caminhão ficou perto do meu prédio. Quis bater a cabeça na parede de tanta felicidade com essa inovação do nosso SLU, o Serviço de Limpeza Urbana do Distrito Federal, quando me toquei de algo muito pior do que o meu surto pessoal: coi-ta-dos dos trabalhadores da coleta de lixo.
Por favor, Ministério Público do Trabalho, atente para isso: os motoristas e os garis da coleta seletiva estão sendo submetidos a uma tortura – não bastasse a insalubridade do trabalho e o baixo salário, eles têm de ouvir esse som irritante e repetitivo o dia inteiro, ininterruptamente. O meu drama de 40 minutos pode ser engraçado, mas o deles não, não tem graça nenhuma.
A pergunta que não quer calar é: quem, quem, QUEM teve a ideia de colocar Escravos de Jó, versão remix e infinita, para tocar nos caminhões? Fiz a pergunta à assessoria de comunicação da SLU, que me respondeu: “Foi o diretor geral do SLU, Gastão Ramos. Ele viu que essa experiência deu certo em Goiânia e aderiu aqui também.”
A razão? Primeiro, para avisar aos moradores que os caminhões estão fazendo o seu trabalho, já que houve muita reclamação de que eles não estavam passando nas quadras. Segundo, para conscientizar a população a separar o lixo.
Vamos lá, então. Para uma campanha de conscientização faltou, digamos, o quesito simpatia. A estratégia me fez ter vontade de jogar o lixo misturado pela janela, então não acho que ela alcançou seu objetivo. Fora isso, me pergunto o que a polícia, por exemplo, poderia fazer para responder às críticas de que ela não aparece nas ruas: ligar a sirene 24 horas por dia? O pessoal da CEB teria que andar com uma caxirola; o da Caesb com uma cuíca?
Voltando ao drama sério, também perguntei à assessoria do SLU se houve alguma preocupação com a saúde dos trabalhadores da coleta, se eles usariam tampões de ouvido, por exemplo. A resposta foi de que a música tem intervalos [de 5 segundos entre várias repetições, eu contei] e o volume está dentro do determinado pela Lei do Silêncio. Ou seja, nada de tampão.
* Clique para mais informações sobre os escravos de Jó e o tal do caxangá.
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