Machismos, feminismos e um pratão de bife com batata frita

Em 23 de junho de 2017 por Carolina Nogueira

Este é um post de convidado escrito pelo meu amigo querido Marcus Martins, escrito deliberadamente pra despertar a fome – e te fazer pensar se comida tem gênero.

Outro dia eu, na maior cara de pau, pedi pra Carol me deixar escrever aqui no Quadrado. Ela, com aquela doçura sem limites, disse sim sem pestanejar, como se fosse a coisa mais banal do mundo. Não, não é… Sabia o que queria escrever, mas precisava fazer um troço legal, mais ou menos no padrão do texto das meninas. Complexo.

Aí fiquei pensando nas longas conversas que tenho tido com minha mulher e com algumas amigas sobre essas questões de gênero, esse embate sem fim entre machismos e feminismos, em como essa discussão tá repleta de generalizações e clichês que só atrapalham uma aproximação mais generosa e menos opressora entre homens e mulheres, em como é complicado pra mim, cheio dos vícios da masculinidade, educar meu filho, e os outros que hão de vir, sem eles. Em como, até na hora de fazer o prato, há intolerâncias de lado a lado.

Achei que seria uma boa introdução, quando percebi que tava caindo em mais um clichezão. Nessa separação, muito rasa, entre paladar masculino (nós, ogros, carnívoros e cardíacos, sedentos? por picanhas mal passadas, torresmos, pizzas de calabresa e porcarias afins) e paladar feminino (elas, lindas, sofisticadas e saudáveis, cheias de quinoas, chias, cardamomos e essas veganices raribôs). Não, né?! É óbvio que hoje tá todo mundo mais preocupado com o que come, que as opções de rango são infinitamente mais amplas do que eram quando nossos hábitos alimentares foram formados, que a gente não precisa ser vegetariano ou vegano pra ter uma alimentação minimamente equilibrada. E, também, que dá pra apelar, sem gênero e sem culpa, pro bifão com arroz e feijão, pro macarrão com carne moída, pro frango assado com farofa. Praquilo que os descolados (que não é o meu caso) chamam de comfort food.

Esse papo todo só pra indicar dois restaurantes que eu vou quando quero comer comida simples e boa e boa porque simples, bem servida e com preço honesto: o velho Ki-Filé, ou Cavalcante, na Asa Norte, e o Gaúcho da Vila, ali na Vila Planalto.

O Ki-Filé fica na esquina da comercial de cima da 405 Norte, com aquela invasão tradicional de área pública, mais que oficializada por uma cobertura de telhas de barro e um cercado de madeira. Pra quem nunca foi, é assim: mesas postas em cima da folha de papel branco, garçons com anos de casa, panelões da cozinha à vista, pão com manteiga no couvert. Zero frescura. Tenho a impressão que os fregueses (a frequência é esmagadoramente masculina…) são sempre os mesmos. Aquela galera massa que, há tempos, perdeu a vergonha da barriga e da gravata colorida. Tem também uns professores antigos da UnB, que quem foi aluno vai se lembrar.

Acho o cardápio sensacional, com um menu executivo diário, e outros pratos à la carte, bem básicos. Carne de sol às segundas, cozido às terças e a boa e velha feijoada às sextas. Mas pra quem quer romper seus limites gastronômicos, o bom mesmo é a rabada de quarta. Levei um tempo pra encarar, mas posso garantir: é deliciosa! Passo importante, quase pré-requisito, pra dobradinha de quinta, ainda a ser desbravada. Um dia chego lá. Pros mais convencionais, o filé com fritas (sempre peço com cebola e feijão preto) ou o bife à milanesa são ótimas opções.  Nenhum prato custa mais que R$ 40,00.

O Gaúcho da Vila, menos conhecido, está há cinco anos escondido numa casinha na Vila Planalto. Tem um quê de refúgio da gauchada, meio CTG. O dono e responsável por assar a carne é o Seu Paulo Renato, sempre com suas bombachas e o interesse em saber se está tudo nos conformes. Lá escolhe-se a carne (em geral, bife ancho, entrecôte e fraldinha) e os acompanhamentos, fartos, estão incluídos. Sexta é o dia dos fortes: churrasco gaúcho MAIS feijoada à vontade. E os preços dos pratos são diferentes pra homens e pra mulheres, que pagam menos. Mas aí não tem nada a ver com gênero. Afinal, grana não tem sexo. Comida na faixa de R$ 40,00.

 

Bora?

Ki-Filé
SCN 405, Bloco A, Loja 55 – Asa Norte
3274-6363

Gaúcho da Vila
Tamboril Rua 4, Lote 12, s/n – Vila Planalto
3879-0019


  • Barbara Miranda

    Já leu a política social da carne? Ótimo livro pra discutir isso.

    • Marcus Martins

      Não li ainda. Vou procurar. Obrigado pela dica!