Adoro viajar de trem. Sinto aquela falsa segurança de que nunca se sai dos trilhos, de que não há queda possível. Só por isso consigo escrever enquanto a paisagem corre lá fora, nunca conseguiria num avião.
É a primeira vez que viajo sozinha depois de quantos anos? Nem sei. Fazendo as contas, acho que nove. Mas me dou conta agora de que, todas as poucas vezes em que parti sozinha para outro país, fui encontrar alguém no destino, já sabia que teria companhia na maior parte da jornada. A minha cara isso: aventuras seguras. Se isso não existe, sempre tento inventar.
Desta vez não havia alguém em lugar algum. Além disso, não sou mais a Daniella de nove anos atrás – alguns medos foram fincando raízes com o tempo. Em certos momentos, eles cresceram como trepadeira, subindo pela perna. Em outros, se acomodaram tranquilamente embaixo dos meus pés, mas permaneceram ali, ramificados.
Por isso, quando o destino mudou as coisas e a viagem virou um plano individual, foram muitas questões até me permitir vir. Eu tinha a chance de ir para Cannes, para o festival de cinema mais importante do mundo, e sofri para decidir. A Daniella de nove anos atrás me olhava incrédula. Não era possível que aquilo, aquilo!, tivesse se tornado um problema.
A decisão de vir teve a ver com o desejo de descobrir se eu poderia voltar a ser aquela pessoa de antes, que gostava de se lançar sozinha. Quando disse isso para uma amiga que amo, ela, que me ama também, caso contrário não teria respondido isso, me escreveu: “Não tem nada a ver com voltar a ser quem você foi. Você nunca deixou de ser.”
Não tive certeza disso quando li. Continuamos a ser tudo o que já fomos, ou vamos deixando partes de nós mesmos para trás e criando outras, preenchendo, remendando, se reinventando? Talvez os dois ao mesmo tempo.
Viajar sozinha não é divertido o tempo inteiro, muitas vezes sinto falta das minhas companhias preferidas, de vez em quando me sinto insegura e gostaria do conforto de um escudo emocional. Mas todos os dias desta viagem tenho agradecido por ter vindo. Agradecido às pessoas que me incentivaram a isso (obrigada, irmã, pelo crocodilo).
Eu quase não vim, e quase não vivi momentos especiais e inesquecíveis. Quase não chorei pelas ruas com a beleza das coisas, com o talento das pessoas, com as possibilidades do mundo. Quase não tive a oportunidade de conversar comigo mesma por mais tempo, e lembrar que gosto disso. Quase foi só um quase. Mas foi um tudo.
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Clarissa Teixeira Santos
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Bianca Novais Queiroz