Como você escreveria o barulhinho das cigarras? Não sei como escrever, mas posso reconhecer esse ruidinho há quilômetros de distância. As primeiras notas dessa cantoria despertam em mim um pânico que nem me lembro como começou.
Minha infância em Brasília é cheia de histórias de cigarras. Como a do menino da minha quadra que brincava de cigarróptero, amarrando um barbante no bichinho e deixando ele voar em círculos – havia quem empinasse pipas, ele empinava cigarras. Naquele tempo politicamente incorreto isso podia, não era agressão ao meio ambiente nem nada.
Outra lembrança horrível é do dia que minha amiga voltou do recreio com uma cigarra gigantesca grudada nas costas, sem se dar a menor conta. Detalhe: ela sentava na carteira da minha frente. Fiquei tão em choque que não consegui nem gritar. Nem sair. Nem nada. Acho que fico assim até hoje, só de pensar.
Acontece que cigarras são bichinhos do bem. Nos países de clima temperado, que só contam com três ou quatro meses de calor durante o ano, elas são verdadeiras vedetes – o canto delas anuncia o verão. Faz parte das férias idílicas dos europeus ter um tempinho sossegado para ler um livro numa sombra agradável, ao som da cantoria desses bichinhos medonhos.
Mas o mais grave eu descobri outro dia: as cigarras passam 17 anos em estado de larva, debaixo do solo. De-zes-se-te-a-nos. Quando sobem à terra, em forma de ninfa, fazem aquela primeira troca de casca, sobem para os galhos das árvores e vivem duas semanas. Com a ajuda dessa gritaria toda, atraem os parceiros para a cópula – e logo depois morrem.
Já pensou? Dezessete anos se preparando pra uma breve primavera? Não é à toa que elas cantam tanto – e tão alto.
Bora?
Ando tentando controlar meu nojo. Propus pros meus filhotes um passeio em busca de casquinhas de cigarra. Fotografamos, coletamos algumas, observamos com lupa. Conversamos sobre as diferentes espécies animais, evolução, o ciclo da vida. Às vezes faz bem a gente se lembrar que a natureza exuberante da nossa cidade é uma aula a céu aberto.
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Núbia Gomes
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Anonymous