Estão metendo a mão em Brasília e (quase) ninguém percebeu
Em 05 de novembro de 2013 por Dani Cronemberger
O problema se chama Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília, conhecido como PPCUB. Esse é o nome do projeto de lei que o GDF mandou para a Câmara Legislativa e é alvo de muitas críticas do Ministério Público e de várias entidades ligadas à arquitetura e à preservação de Brasília. Graças a essas entidades, nós, que somos leigos, podemos entender o perigo por trás de tantos termos técnicos. E o caso é grave, bem grave.
Como o próprio nome da lei adianta, o objetivo é nobre: consolidar a legislação de preservação urbanística da cidade. É um texto técnico, que define a forma de ocupação da área tombada de Brasília (Plano Piloto, Sudoeste, Noroeste, Octogonal, Cruzeiro e Candangolândia). Nele, estão os usos permitidos ou proibidos de cada região (residências, comércio, indústria, etc.) e a forma dos prédios serem construídos (altura máxima, área de construção máxima, por aí vai).
O perigo está nas entrelinhas: no meio de 247 artigos e de 70 planilhas enormes, estão espalhados termos vagos que abrem brechas para muita coisa estranha e que pode afetar a cidade de forma irreversível. Como? Milhares de metros quadrados de áreas públicas poderão ser entregues à iniciativa privada, garantindo a festa da nossa já bizarra especulação imobiliária (só para citar uma consequência).
Depois de uma conversa com o movimento Urbanistas por Brasília, e com base na análise da arquiteta Vera Ramos, foi possível resumir os perigos desse projeto. Vamos lá:
1. Loteamento da parte oeste do Eixo Monumental
Sabe a área verde do canteiro central do Eixo, que fica entre o Memorial JK e a Rodoferroviária? Então. O PPCUB permite o loteamento dessa área em lotes de até 20 mil metros quadrados. À imprensa, o GDF diz que o uso principal será para bibliotecas, arquivos e museus, mas o projeto permite também restaurantes e lojas de artigos culturais, recreativos e esportivos. O PPCUB não deixa claro se esses restaurantes e lojas só serão permitidos dentro de museus, ou seja: abre a possibilidade de um loteamento comercial no meio do Eixo Monumental.
2. Privatização de lotes nas Unidades de Vizinhança
O projeto autoriza que empresas privadas explorem, por meio de concessão de uso, os lotes destinados a escolas, creches e equipamentos públicos dentro das superquadras. No caso das unidades que ficam nas entrequadras, o caso é ainda pior. O projeto prevê não só a concessão de uso, como a alteração de uso. Pensando alto, uma escola parque poderia virar um shopping, por exemplo.
3. Transformação de clubes em hotéis (leia-se condomínio residencial fechado)
O PPCUB libera, de imediato, oito lotes do Setor de Clubes Sul para a construção de hotéis. Vale lembrar que, desde 2009, todos os hotéis construídos em áreas de clubes foram lançados e ocupados como condomínios residenciais fechados. Além de não resolver os casos antigos de ocupação irregular da orla, o GDF abre a porteira para que esse processo se amplie. Em 2001, a Unesco frisou a necessidade de impedir qualquer construção residencial à beira do lago, como condição para Brasília manter o Título de Patrimônio Mundial. A recomendação, pelo visto, não surtiu efeito algum.
Aqui vale um parêntese. Uma das coisas mais lindas de Brasília, o lago sempre foi fonte de lazer exclusiva da elite. A ausência total de uma política de transporte público para a orla revela a intenção de manter o status de exclusividade do cartão postal: só chega perto quem tem carro, e só aproveita quem tem dinheiro e condições de sentar em um dos restaurantes. O PPCUB vem para reforçar essa cultura deprimente. Esse espaço de lazer coletivo possivelmente será transformado no metro quadrado mais caro da cidade, e de forma irregular.
4. O GDF vai poder planejar a cidade por decreto
O PPCUB permite o fracionamento de grandes lotes em cerca de 20 setores da cidade e o aumento da altura máxima de edificações em 13 setores. Além disso, deixa brecha para alteração de uso em quatro áreas, incluindo o Setor de Garagens Oficiais (SGO), que fica entre o Detran e o Setor Militar Urbano. Novamente, o texto é vago e não define parâmetros, o que significa o seguinte: se o PPCUB liberar, a cidade poderá ser alterada repetidamente por meio de decretos do governador, sem sequer passar pela Câmara Legislativa.
5. A invasão de hotéis na 901 Norte vem aí
Depois de muita polêmica e pressão do Iphan Nacional, o GDF aceitou retirar do PPCUB os artigos que transformavam a 901 Norte em um complexo hoteleiro, uma espécie de expansão do Setor Hoteleiro Norte. O detalhe é que, no lugar desses artigos, o PPCUB avisa que essa questão será tratada em novo projeto de lei, a ser criado pelo governo. Aguardem.
6. A parte leste do Eixo Monumental vira um mistério
A área verde do canteiro central do eixo, entre a Rodoviária e o Congresso, ganha a função de “parque público ou parque urbano”. Alguém sabe o que é isso? Ninguém, nem o PPCUB, já que o projeto não explica essa classificação, abrindo margem para a criatividade alheia.
7. A preservação de Brasília fica ainda mais complexa
O GDF não atende a mais uma recomendação da Unesco, de criar uma instância única de preservação, em contato próximo com o Iphan. Ao contrário, o PPCUB cria mais instâncias de conselhos e câmeras técnicas. O que era grego vira chinês, mais ou menos isso.
“Não é o caso de dizer que o PPCUB está todo errado”, pondera o arquiteto Cristiano Nascimento, do movimento Urbanistas por Brasília. “O texto melhorou um pouco desde a primeira versão que o GDF tentou aprovar em 2012 e os artigos detalham os conceitos urbanísticos que definem a preservação de Brasília. O problema está nos erros de redação, nos termos vagos e nas 70 planilhas que estão no anexo. São diversas alterações propostas sem justificativas ou com um potencial incrível de danos à cidade. O PPCUB não está amadurecido o suficiente para ser levado à votação.”
A briga em torno dessa lei começou no ano passado, antes mesmo do envio do texto para a Câmara Legislativa. A pedido do Ministério Público, a Justiça chegou a anular a reunião do Conplan que aprovou o PPCUB neste ano (o Conplan é um conselho do GDF responsável por aprovar esse tipo de projeto antes do envio aos deputados distritais). A briga na Justiça continua, mas o GDF mandou o texto para a Câmara mesmo assim.
No ano passado, a Missão da Unesco, que veio analisar os riscos ao Título de Patrimônio Mundial de Brasília, recomendou expressamente ao GDF a paralisação do PPCUB e sua revisão por uma comissão formada por várias entidades, incluindo a UnB, o Iphan e a sociedade civil organizada. Recomendação prontamente ignorada pelo governo.
Enquanto isso, a Câmara Legislativa já promove audiências públicas para discutir o projeto, que foi enviado pelo GDF em regime de urgência – isso significa que a Câmara tem de aprovar o texto em 45 dias corridos, caso contrário fica impedida de votar qualquer outra proposta.
A próxima audiência pública será nesta quarta-feira (dia 6), então esse looongo texto (talvez o mais longo do blog) tem essa missão: chamar você para encher a Câmara Legislativa, participar do debate, gritar, espernear e fazer a pergunta que não quer calar: por que tanta pressa para aprovar isso? A quem interessa?
Bora?
Audiência pública para debater o PPCUB
Quarta, 6/11, às 19h
Auditório da Câmara Legislativa do DF
Criaram um evento no face: aqui
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