As notícias dos últimos dias me fizeram lembrar de A Porta do Inferno, de Rodin, que pude ver duas vezes em Paris. E chorei nas duas vezes.
Rodin levou quase 30 anos trabalhando nessa escultura monumental, com mais de 200 figuras inspiradas na Divina Comédia, de Dante, e nunca conseguiu terminá-la. Talvez porque o inferno nunca pare de nos surpreender. É impossível alcançar todas as suas possibilidades.
Ler as notícias que nos chegam pela internet de repente me levou àquela porta. Parecemos estar vivendo petrificados, dentro de um espiral de desespero, dor e desencanto, como as 200 personagens de Rodin, todas presas a uma estrutura sólida.
Chorei em frente a essa porta, mas não foi de horror. Foi a capacidade humana de extrair beleza dos piores e mais dolorosos sentimentos que me impactou ali, de pé. A beleza que extraímos dos momentos de horror. É importante prestar atenção nela.
Porque essa montanha de notícias deploráveis pode ter efeitos na gente que não contribuem com a tomada de ação. Ninguém consegue reagir soterrado por uma sensação de tamanha desesperança: se o inferno é tudo o que há, o que podemos fazer?
É importante lembrar, em momentos assim, que existe uma vida, um mundo, para além das notícias que chegam a nós. Não para fugir de uma realidade amarga, mas como forma de se fortalecer para agir. Um corpo completamente tomado pelo horror não se levanta.
Enquanto 33 homens abjetos violentam uma adolescente de 16 anos, milhares de mulheres gritam contra eles e sentem, dentro de si, a dor dessa menina. Somos muitas, somos muitos.
Para cada pastor e/ou parlamentar que se utiliza do discurso de ódio e do sofrimento de pessoas para ganhar dinheiro e poder, existem muitos que lutam por um país mais justo e humano. Somos muitos.
Enquanto a nossa política nos enche de repulsa, é importante lembrar: somos muitos. “A desesperança desmobiliza”, disse a deputada Erundina a uma amiga, e dessa frase nunca esqueci. Recorro a ela nos piores momentos.
Bora?
Luta contra o estupro – Caminhada das flores
Domingo, 29, às 10 horas, saindo do Museu da República e indo até a estátua da Justiça, na Praça dos Três Poderes.
Leve a sua flor.
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Keka
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Flor dos Santos
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Ana Chalub