Do que a gente não entende, a arte dá conta

Em 09 de outubro de 2018 por Carolina Nogueira

Do que é feita a política nesse país? Que forças são essas que movem as pessoas para cá ou para lá? E que pessoas são essas? Nessas eleições, os analistas têm reduzido quase tudo a grupos de whatsapp, fake news e doutrinação evangélica. Isso explicaria aquilo. Quem sou eu pra discordar dos cientistas políticos, não é mesmo? Só temo que, nesse bolo, a gente esteja desumanizando o outro. Desumanizando a gente e o outro, como se todos nós pudéssemos nos reduzir a alguém que reproduz cegamente memes e certezas.

“Camocim”, que está em cartaz no Cine Brasília só e apenas na próxima quarta-feira, em duas sessões, vai no caminho oposto. Limpa a política de nomes de partidos e até de perfis de candidatos – e olha pra pessoa. A pessoa ser político. Seus sonhos, medos, ideais, seu trabalho, sua luta, sua dimensão de que cada formiguinha muda o mundo. Que muda o mundo a partir de Camocim de São Félix, no brejo pernambucano, cidade de 18 mil habitantes a 123 quilômetros de Recife.

A atriz principal desse milagre da humanização do eleitor militante é Mayara Gomes. A personagem principal do filme é uma militante de 23 anos, lésbica, filha adorada de sua mãe guerreira evangélica. Desde a primeira vez em que vi o trailer deste filme, me apaixonei por Mayara. Pela vida, pela força, pela verdade dessa garota. No pouco mais de uma hora que dura o filme, ela me manteve hipnotizada. O documentário dá conta de retratar, linda, poética, despretensiosamente, os sonhos quase heroicos que podem mover uma jovem que sabe o que é política mais que muito deputado. O filme dá conta também das outras contradições que fazem parte desse pacote.

A campanha eleitoral que a gente vê na tela do filme é uma mistura de disputa de caprichoso e garantido, briga de torcida organizada, carnaval, esquenta em porta de show, apresentação de maracatu de baque virado, populismo correndo solto, culto religioso, baile funk, show da Pablo Vittar e bázinho. As duas coligações de Camocim que se organizam em torno de duas cores, vermelho e azul, não assumem o nome de nenhum partido – e parecem totalmente coadjuvantes de uma histeria popular que quase acidentalmente acontece junto com as eleições.

Não deixa de ver. Você não vai sair do cinema sabendo o que fazer, não. Mas vai encontrar alguns rostos pra esse misterioso eleitor que a gente tenta entender este ano – inclusive a turma que vota “no nulo”. E, talvez, personificar numa menina de 23 anos o eleitor do Nordeste que nos deu vinte dias de prorrogação nessa nossa luta e agonia.

Bora?

Camocim, filme de Quentin Delaroche
Quarta-feira, 10/10
16h30 e 20h30
Ingresso R$ 12 e R$ 6 (meia), só a dinheiro