“Isso não tem importância, não”. A pergunta era onde ele tinha nascido, mas ele me corta logo. Paulo – nome da certidão – não gosta de falar muito de si, não vai se entregando assim, na primeira conversa. Pergunto, então, o que tem importância pra ele. “A arte. Só a arte.”
Esse senhor de cabelos brancos é uma figura emblemática de Brasília. Desde que me entendo por gente, Paulo percorre a noite vendendo seus quadros nos bares da cidade. É uma presença marcante e discreta ao mesmo tempo. Nunca aborda um cliente, jamais pede qualquer coisa ou faz propaganda do seu trabalho. A barulheira do bar é interrompida suavemente por esse artista que entra e sai em silêncio. Em pé, no meio das mesas, mostra suas telas, uma a uma. E vai embora.
Aos 76 anos, Paulo resolveu mudar tudo. De nome, de assinatura, de estilo. Antes, sua personalidade artística se chamava Azul e a assinatura era um risco curto, na horizontal. Agora, o artista se chama Auroro e o risco se transformou na letra A. Por que Auroro, pergunto. “Eu auroro, tu auroras, ele aurora, nós auroramos”, responde.
A conversa vai se estendendo e ele – já não sei mais se converso com Paulo ou Auroro – se mostra um pouco. Conta que, desde criança, foi vendedor de rua. Vendia serpentina de carnaval, patinete e outras coisas mais. “Hoje sou vendedor de rua profissionalmente.”
O neto de oito anos, diz, é um artista nato. Faz de 10 a 20 desenhos por dia e, desde os dois anos, pinta todas as paredes da casa do avô. “Às vezes me inspiro nos desenhos dele. Ele é artista, já é. Mas acredito que não seja por influência. O espírito que anima um ser artista aproveita para aparecer onde há condições dele se desenvolver.”
Converso com aquele homem intrigada com o fato de esta ser a primeira vez que escuto algo pessoal sobre ele. Em primeiro lugar, por culpa da minha incapacidade – nunca havia feito uma pergunta pessoal a ele. É impressionante alguém ter tantos significados para tantas pessoas e ser uma incógnita pra quase todo mundo. Quem é essa pessoa que representa um pouco de Brasília, dos meus amigos, dos lugares que frequentei?
Talvez ele tenha razão e isso não tenha importância. O que importa é a gente ter sorte de cruzar com ele, porque o lugar e a hora são também um mistério. “Não tenho compromisso com bar nenhum, com pessoa nenhuma. Não aceito encomenda, não aceito amanhã. Comigo é tudo agora.”
Bora?
Auroro está sempre por aí, uma hora você esbarra nele.
Suas telas custam, em média, R$ 30. Só aceita dinheiro.
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