Ah, esses homens que falam de mulheres…

Em 06 de dezembro de 2017 por Carolina Nogueira

Tem quem leia um livro. Tem quem ouça uma música, ou veja um quadro. E tem pessoas que têm um contato mais intenso com uma obra de arte: que são capazes de habitar a beleza – e permitir que a beleza habite nelas.

Desde que meu caminho se cruzou com o deste grande cara aí da foto, sei que Alberto habita Chico Buarque e Chico Buarque habita Alberto. Desconheço quem saiba mais das canções, do contexto político de cada obra, quem tenha cutucado mais cada letra. Certeza: ele conta as histórias do Chico Buarque melhor que o Chico mesmo.

O mistério das mulheres na música do Chico, então, sempre foi um assunto constante – nos nossos sábados ouvindo a discografia completa, nas incontáveis mesas de bar em todo canto do mundo. Foi ele que me fez ver o caminho que a mulher percorreu nessas canções: chegou como a ingênua Januária, tão doméstica, tornou-se a Rita larápia de corações e sorrisos, até roubar a própria voz do compositor – e se apossar dela para cantar com voz própria canções tão pungentes, tão em nosso nome, que a mulherada arrebatada nomeou o Chico tradutor oficial da alma feminina.

“A obra dele se confunde com a própria trajetória social feminina na recente história brasileira”, explica Alberto. “A mulher que cumpre o percurso de sair da janela e ir viver de uma vez a vida”.

Verdade que, quando o Chico lançou seu disco mais recente, há alguns meses, essa aura do homem que fala pelas mulheres passou a ser discretamente questionada. A única unanimidade brasileira foi quebrada, e há quem não se reconheça mais em algumas das músicas do Chico. Há quem questione o seu lugar de fala como voz feminina.

É bem no meio dessa polêmica gigante que Alberto Lima lança o livro em que analisa a alteridade do feminino na obra musical do Chico. “Quem é essa mulher?” é um livro que nasceu de uma saborosa dissertação de mestrado – fruto de tudo o que Alberto leu, discutiu e pensou sobre as mulheres do Chico, numa análise literária profunda, mas super leve e gostosa de ler. Lançado há dois meses no Recife do coração dele, o livro chega a Brasília no próximo sábado.

Então este é um convite entusiasmado para gente viajar junto pelas letras do Chico. Pra pensar a história de emancipação da mulher na sociedade brasileira, e como ela foi traduzida na música popular. E também pra encarar as questões todas sobre alteridade – inclusive sobre o que significa ser um homem que fala de um homem que fala de mulheres, em pleno 2017.

Convivendo de pertinho com essa problematização toda, entrevistei o autor mil vezes, questionei lugar de fala e os limites que separam e conectam compositor, obra, musa – e crítico. Como é típico das discussões boas, brigamos e fizemos as pazes, mudei de ideia pra lá e pra cá, continuei cheia de dúvidas, mas fui consolidando algumas certezas:

  1. Só uma mulher fala de uma mulher do ponto de vista de uma mulher. Claro.
  2. É típico da arte expressar uma visão autoral bem própria sobre tudo o que nos é alheio, estranho, outro – e é essa justamente a beleza da obra de arte.
  3. A arte existe para ser o que é, e não o que a gente quer que ela seja.

E no fundo isso vale para a arte, para a vida, para o outro. E para essa grandeza de homem aí, que afirma neste livro poderoso a visão do mundo e da arte que ele tão generosamente habita.

Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem

Bora?

Lançamento do livro “Quem é essa mulher? – A alteridade do feminino na obra musical de Chico Buarque de Holanda”
Sábado, 9/12, 16h
Objeto Encontrado
CLN 102 Bloco B Loja 56