Capas de jornais costumam me causar emoções negativas, mas a do Correio Braziliense de hoje foi especialmente difícil de engolir. A manchete grita em alto e bom som: UMA LEI DO BARULHO! E o título vem acompanhado de uma ilustração, enooorme, de um morador de pijama, com os dedos tampando os ouvidos, sofrendo bastante com a música ao vivo vinda de um bar. O assunto: hoje, às 9 horas, a Câmara Legislativa promove audiência pública para discutir mudanças na Lei do Silêncio.
A manchete, com tomada de posição nada sutil, não combina com a matéria publicada nas páginas internas, que escuta os dois lados da história e tenta, ainda que prejudicada pela capa, equilibrar a discussão. Como sabemos que a grande maioria dos leitores passa o olho nas manchetes e não chega a ler a matéria inteira, é fácil imaginar qual será a mensagem fixada na cabeça de quem folhear o jornal hoje.
Ainda que a capa de um impresso não seja o lugar adequado para gritar opinião – editoral existe para isso –, há um lado positivo de vermos posições expostas desta forma, sem cerimônia. A discussão fica mais clara.
Aqui no blog, espaço 100% opinativo, faz tempo que deixamos clara a nossa posição a favor de uma atualização na Lei do Silêncio. Publicamos alguns posts explicando nosso ponto de vista e abriu-se, nos comentários, um debate excelente, com opiniões consistentes de ambos os lados. Mas também viramos alvo do grupo 8 ou 80 da internet – aquelas pessoas que não querem ouvir, debater ou ponderar, querem apenas julgar sua opinião.
É para esse grupo que a capa do Correio joga hoje, prestando um desserviço à discussão. Como se atualizar a lei significasse liberar geral o barulho. Como se, ao dizer que o limite atual de decibéis é irreal, você estivesse defendendo o desrespeito ao repouso alheio, a perturbação do sono das famílias, a transformação da vida dos moradores em um inferno.
A atualização da lei não vai permitir o desassossego generalizado, não vai aumentar o barulho nos bares que já incomodam. Certamente, o bar que te inferniza hoje com volume acima do limite, vai continuar fora do limite da nova lei, se ela um dia for aprovada. O que se quer é: tirar a Lei do Silêncio de um mundo fictício, de fadas e duendes, onde o barulho de um terreno baldio no meio do nada já ultrapassa seus limites. (Por favor, assistam a esse vídeo, ele explica tudo melhor do que eu).
O que ser quer, também: definir padrões claros para os locais de medição do barulho. A falta de clareza da lei permite injustiças graves. Um bar que desagrada o governo da ocasião pode ser facilmente fechado, sem que se comprove que o volume do som estava de fato incomodando alguém, enquanto outros bares mais barulhentos permanecem intocáveis.
O que se quer é uma cidade que não ensurdeça seus moradores, nem mate a música de asfixia. Nem 8, nem 80.
Leia mais em:
Porque é preciso mudar a Lei do Silêncio
Movimento “Quem Desligou o Som?”
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