Na relação nova que estabeleci com Brasília quando voltei para cá, há dois anos, meu maior desejo era que o olhar novo com que eu observava a minha cidade não se perdesse nunca. Cheguei com a sensação de estar vendo o que os outros não viam, querendo reinventar hábitos, questionar rotinas, viver a cidade de um jeito novo – voltar para casa foi tão intenso quanto sair daqui.
Criar este blog junto com a Dani foi uma consequência do jeito que escolhi viver – este espaço é quase que a materialização do desejo de repensar e olhar a cidade de um jeito diferente. Mas ontem, pela primeira vez desde a volta, senti minha missão ameaçada.
Caí no lindo texto publicado pelo fotógrafo Orlando Brito – pioneiro da cidade e um dos fotojornalistas mais respeitados da capital – em que ele conta da tristeza que sentiu ao levar um amigo estrangeiro para conhecer e fotografar Brasília. Ele conta como, de repente, ele se deu conta do abandono a que cidade está relegada. É um texto duro e sincero, aliado a fotos que falam sozinhas: cones, cercas, banheiros químicos, estruturas de edifícios completamente comprometidas. Ontem à noite ele me contou que o monte de lixo que ele fotografou no domingo continuava lá ao cair da tarde da segunda.
Fiquei triste como todo mundo que leu o texto do Orlando – mas, no meu caso, fiquei também profundamente incomodada de perceber que eu precisei ler aquilo tudo para me dar conta. Meu olhar envelheceu.
Eu passo ali todos os dias – eu enxerguei a cerca tombada no caminho para o trabalho, eu vi os banheiros químicos, todo mundo enxerga esse arremedo de ciclofaixa que entope a cidade de cones, sem resolver nada nem para carros nem para bikes. Mas meu olhar simplesmente se acostumou a tudo isso – como eu temia, voltei a enxergar sem ver. Alerta vermelho.
Um beijo no Orlando por esse presente de Ano Novo: despertar meu olhar novo de novo. Que a rotina não venha embaçar nem as lindezas nem as mazelas da nossa cidade.
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Maria Marta de Souza Machado