Vamos juntas sexta, 17h

Em 02 de agosto de 2018 por Lara Haje

 

Mulheres de Brasília – de direita, de esquerda, de espectro político indefinido: nós temos um compromisso na sexta-feira, 17h. É uma caminhada em prol da descriminalização do aborto, do Museu da República até o Supremo Tribunal Federal.

Vamos todas, independentemente do viés político? Porque se trata de uma questão de saúde pública feminina. E ninguém vai defender a saúde e a vida das mulheres se não nós mesmas. Mas contamos sim com vocês, gatos pingados do sexo masculino que também consideram a vida das mulheres uma prioridade.

Sim, estamos falando do direito à vida. A criminalização dificulta a produção de dados nacionais confiáveis sobre a mortalidade associada ao aborto inseguro, mas fala-se em até quatro mortes por dia de mulheres que buscam socorro nos hospitais por complicações do aborto.

Não, não estou falando daquela sua amiga branca de classe média que fez aborto numa clínica clandestina cara e sofreu pra caramba com a culpa, com a dor na alma e, quem sabe, com a solidão (quem quer fazer um aborto, meo deos?).

Embora essas dores sejam nada desprezíveis, estou falando sobretudo de dores ainda mais pungentes, na carne, de mulheres pobres e pretas (porque tudo mundo sabe que pobreza no Brasil tem cor), que no auge do desespero tentam abortar com remédios, objetos perfurantes ou em clínicas inseguras, atentando seriamente contra a própria saúde e muitas vezes contra a própria vida.

O resultado em diversos casos são hemorragias e infecções – problema tão importante para a saúde pública que consumiu quase R$ 500 milhões do Sistema Único de Saúde (SUS) na última década.

Mas, sabe, na verdade falo também de uma questão que vai além da saúde. Falo sobre mulheres decidirem sobre seu próprio destino. Sobre mulheres que, mesmo tendo companheiros, vão arcar mais do que eles com as consequências de ter um filho, pois é assim que o mundo vem funcionando. Ninguém será obrigado a concordar com um aborto se ele for descriminalizado, e quem discorda poderá continuar defendendo que há outras possibilidades no caso de gravidez indesejada.

Mas mulheres não morrerão ou não machucarão mais seus corpos pela escolha de interromper uma gravidez, e nem terão mais a possibilidade de serem presas ou de terem de enfrentar um inquérito policial pela prática, além de toda a dor que ela pressupõe. Assim como não serão mais criminalizados os profissionais que fizerem o aborto seguro, inviabilizando a atuação de picaretas e aproveitadores de todos tipos.

Vamos parar de fingir que a realidade não existe, brasileiras e brasileiros. A Pesquisa Nacional sobre Aborto, realizada em 2016, mostrou que 1 em cada 5 mulheres de 40 anos já abortou, e o perfil dela é comum: 67% têm filhos, 88% declaram ter religião, sendo que 56% são católicas, 25% evangélicas ou protestantes e 7% outras religiões.

E por que a caminhada justamente na sexta? É que vai ser o primeiro dos três dias da audiência pública sobre a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, que ocorrerá no Supremo Tribunal Federal. A audiência discute a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental que pede que os dispositivos do Código Penal (de 1940) que criminalizam a interrupção da gravidez sejam desconsiderados pelo Supremo, pois afrontam princípios assegurados pela Constituição de 1988. Esses princípios e garantias são, segundo a ação, a dignidade, a liberdade, a proibição de tortura ou tratamento desumano e degradante, a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos, entre outros.

Na verdade, a caminhada na sexta é só uma das atividades de três dias de mobilização do Festival pela Vida das Mulheres, e um momento oportuno para mostrar nossa união em torno do tema.

Lembre-se de que o Parlamento argentino só deu o primeiro passo rumo à descriminalização por conta da mobilização feminina. Se você também não aguenta mais ver homens decidindo pelo destino de mulheres, não se esqueça também de priorizar o voto nelas, especialmente para o Legislativo, em que o espectro de escolhas é amplo.

* A Organização Mundial da Saúde adverte: a criminalização não reduz o número de abortos, e a taxa geral de aborto é menor nos países onde ele é legalizado.

Bora?

Caminhada rumo ao Supremo Tribunal Federal
Saída do Museu da República, sexta-feira, 17h
Festival pela Vida das Mulheres – programação geral aqui