Os eventos gratuitos fazem mal a Brasília?
Em 05 de dezembro de 2013 por Carolina Nogueira
Gente, que pergunta é essa? Será que hoje eu acordei a fim de uma polêmica?
É fato: nos tornamos nos últimos anos a capital dos eventos gratuitos. Não há um final de semana em que não haja uma festinha, um evento, um super festival onde você possa ir, se divertir, ver gente e não gastar um centavo. Semana que vem, aliás, tem Picnik – só pra você ficar sabendo.
E isso é ótimo, certo? Então que pergunta é essa? Será que eu resolvi renegar tudo o que defendemos desde que este blog surgiu? Não é (exatamente) isso.
Acontece que eu adoro olhar o que me parece uma grande verdade com outros olhos. Ouvir outras opiniões. Repensar as certezas. E é isso que estamos fazendo neste primeiro debate aqui no blog.
Convidamos dois agitadores culturais de Brasília para pensar sobre isso. Além deles, vocês também. Leiam, pensem e se manifestem. Será que a profusão de eventos gratuitos pode prejudicar a cena cultural da cidade?
SIM!, por Marcos Pinheiro, do Cult 22.
Nos últimos anos, o Distrito Federal tem vivenciado uma proliferação de eventos gratuitos em espaços e praças públicas. São shows musicais, peças de teatro, espetáculos de dança e demais manifestações culturais que tomam conta de locais como a área externa do Museu da República, o gramado do Complexo Funarte, a Torre de TV, o Parque da Cidade ou a UnB (todos no Plano Piloto), a Arena do Cave (Guará), as praças do DI e do Relógio (Taguatinga), a da Administração da Ceilândia, entre outros.
Muitas dessas produções são iniciativas do Governo local e/ou são feitas em parceria com a Secretaria de Cultura. Também são viabilizadas por meio de emendas parlamentares ou outras fontes de verbas públicas – o que, quase sempre, obrigam os produtores a não cobrar entrada ou estabelecer ingressos a preços populares.
Para o público em geral, tal “fenômeno” é uma ótima notícia, sobretudo aos que possuem menor poder aquisitivo: ter acesso a algum tipo de cultura gastando nada (ou pouco) com isso. Só que, para os artistas locais e independentes, essa tendência é uma faca de dois gumes. O que pode ser uma forma de dar maior visibilidade aos trabalhos próprios, atraindo uma plateia que talvez não os veria em outras situações, também corre risco de não surtir qualquer efeito prático.
A explicação, embora não comprovada cientificamente (pesquisas, estatísticas, etc), é baseada em fatos reais: a maior parte das pessoas que vai a esses eventos é atraída justamente pelo fato de serem de graça. Servem como grande ponto para encontrar os amigos, paquerar ou namorar e tomar uma cervejinha – ou outros “aditivos”. Pouco importa quem esteja se apresentando lá em cima no palco – a não ser, claro, que seja alguém já consagrado ou mais conhecido da mídia.
Ou seja: o que seria uma ferramenta de formação de público para esses artistas independentes, pode virar “gol contra”. Pior: com tantos eventos gratuitos, muitos deles envolvendo nomes internacionais ou nacionais de grande e médio portes, para que o público vai pagar – por mais barato que seja – para ver a galera da cidade em bares, pubs ou locais menores? Ainda mais se eles mesmos muitas vezes também se apresentam nesses espetáculos com entrada franca?
Com isso, além dos artistas, também perdem os produtores e donos de estabelecimentos dispostos a investir no independente, mas que não têm condições de fazê-lo de forma gratuita. O que também explica muito sobre a assustadora diminuição de espaços para os trabalhos próprios, sobretudo na música, onde predominam há anos os “covers” ou tributos. Melhor ter uma banda apresentando algo de outro que todos conhecem do que arriscar a deixar alguém tocar suas composições desconhecidas, né?
Soma-se a isso a falta de sensibilidade da maior parte da mídia em abrir os olhos e ouvidos para o que é feito no DF… Resultado: pessoas cada vez menos interessadas de verdade em conhecer os artistas locais.
Claro que esse problema não é exclusivo do DF e não acontece quando se tratam de eventos internacionais e nacionais de maior porte. Por mais absurdos os valores cobrados, a turma paga – e lota os espaços. Logo, não falta grana ao brasiliense em geral – falta mesmo é vontade e conhecimento em procurar algo novo. Um quê de colonialismo cultural do eixo Rio-São Paulo ainda paira na capital da República. E, sinceramente, não acho que seja com uma profusão de eventos gratuitos que isso irá se solucionar.
Que tal, por exemplo, uma política que invista na inserção dos artistas locais na mídia – real e virtual? Mesmo que com menos força de outrora, os jornais, as revistas e as emissoras de rádio e TV ainda são veículos de massa – e, por consequência, formadores de público e de opinião. A cantora Ellen Oléria já era um talento nato há mais de seis anos para os brasilienses mais antenados. Mas precisou ganhar um reality show na maior emissora de TV do país, no final de 2012, para ser (re)conhecida de fato pela grande maioria do público daqui. De ignorada, hoje todos se “orgulham” dela – o mesmo aconteceu com Legião Urbana, Capital Inicial, Plebe Rude, Cássia Eller e Zélia Duncan, só pra citar exemplos musicais!
Marcos Pinheiro é jornalista, produtor e apresentador do programa de rock Cult 22 há 22 anos e coordenador de imprensa do Festival Porão do Rock desde 1998. Foi diretor da Rádio Cultura FM e proprietário por dois anos do Cult 22 Rock Bar.
NÃO!, por Sandro Biondo, da festa Mimosa
“Morar em Brasília é como viver numa maquete”. Ah, por favor, tire o seu clichê do caminho, que a minha cidade quer passar.
Para quem conviveu por décadas com o peso existencial de ser considerada fria e sem personalidade, a Brasília que se frequenta ao ar livre já não faz feio diante de muitos RJs, SPs e adjacências.
Não há um só fim de semana em que não haja um show, uma festa, um evento coletivo e aberto onde se reúnem milhares de pessoas, em geral de graça, em clima harmônico e sem carão.
Foi-se o tempo em que os shows limitavam-se às salas de teatro e bares fechados a poucas dezenas ou centenas de pessoas. Restringir a apresentação das bandas e artistas, pra que, se tem piqueniques, satélites, celebrares, quitutes, t-bones e minifestivais por aí abrindo as portas a quem faz e a quem ouve?
As asas ganharam pio e plumagem para voar livres. O brasiliense descobriu que não precisamos de esquinas para marcar um encontro. Que dá pra ir de bike, que dá pra sair com os amigos e fazer novos deles, que dá, sim, pra ser feliz sem praia, montanha e (obrigado, Cosmos!) Starbucks…
Nós somos a materialização do sonho de Lucio Costa, que desenhou este Plano como um lugar onde se pisa no chão e olha para o céu. De todas as cidades que conheço nenhuma tem essa mesma vocação: áreas abertas e verdes, 180 graus de nuvens, sol e lua, uma juventude que pulsa, pensa e sabe que o que vale é ser bom e simples e leve e livre.
Não somos mais uma ilha de desfantasia. Não somos mais a cidade dos shoppings. Somos muito mais que uma Esplanada e seus lamentáveis burocratas de terno, gravata e pouca elegância. Como num divã coletivo, finalmente encontramos o caminho de nossa auto-estima. É preciso tocar na vida. E deixar que ela nos toque. De preferência, juntos.
Sandro Biondo é jornalista e DJ. É o responsável pela festa Mimosa.
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