A plateia como resumo da cidade

Em 29 de abril de 2013 por Carolina Nogueira

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Dia do aniversário de Brasília, Esplanada dos Ministérios. O bandolinista brasiliense Hamilton de Holanda, um dos mais respeitados do mundo, apresenta sua obra mais erudita – a peça sinfônica que compôs em homenagem ao aniversário de Brasília. Pouco depois, acompanhado da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional, ele recebe Milton Nascimento como convidado especial.

No adiantado do espetáculo, Hamilton anuncia que começa ali a última parte do show – e é recebido com uma constrangedora comemoração, em tom de “até que enfim”, por um público ávido pela próxima atração, a banda Teatro Mágico. A reação se repete umas duas ou três vezes, levando o músico ao microfone para pedir paciência: “Também gosto do Teatro – mas calma, pessoal, deixa a gente acabar aqui com nosso show”.

Não é de hoje que se reclama de indiferença, de arrogância ou de falta de entusiasmo do público brasiliense. Costumo defender, argumentando que nosso público tem senso crítico e não se seduz à toa – mas confesso que fiquei envergonhada com o episódio.

Daí resolvi ouvir o Hamilton sobre a reação da plateia naquela noite. E ele, que já na hora contornou a situação com muito jogo de cintura, me pareceu ainda mais ponderado e contemporizador. “Adorei o aniversário de Brasília, memorável no melhor sentido. Acho que a programação deve ser variada mesmo, para todo gosto, afinal o aniversário era da cidade”.

Gentil, minimizou a falta de educação de parte do público. Compreensivo, disse que realmente era difícil para a plateia suportar o atraso de mais de duas horas: “olha, com um atraso de mais de duas horas é natural que as pessoas fiquem ansiosas. Não acho que tenha sido uma reação à música instrumental – e se foi, eram dez pessoas contra vinte mil que estavam curtindo o som. Inclusive eu pedi para a galera ter calma, agradeci a paciência”.

Para ele, o público de Brasília, em geral, adora música, seja qual for o estilo. “O que me marcou foi ver um monte de gente chorando de emoção com o show. Isso é que fica”.

Sem que ele tenha citado, não teve como não lembrar dos Bailes da Vida, do mesmo Milton que dividia o palco com ele naquela noite: ir até onde o povo estar, não se importar se quem pagou (ou não pagou, no caso) quis ouvir. Uma generosidade só possível por meio da arte – que, no caso, alivia mas não deixa de servir de lição.

Fiquei pensando como o exercício de “ser plateia” é uma excelente imagem de como somos como cidade, como cidadãos. Nossas reações coletivas falam muito sobre nós – e não podemos nos dissociar desse todo com o argumento fácil de que “são os outros”.

Se, ainda bem, já não somos violentos como fomos – nenhuma ocorrência grave marcou os dois dias de shows na Esplanada – acho que ainda podemos ser mais gentis, respeitosos, generosos com quem vem compartilhar sua arte com a gente. Ser uma plateia melhor, mais calorosa, é, também, ser uma cidade melhor.