Quando uma mulher se veste de machista

Em 03 de abril de 2018 por Dani Cronemberger

A onda feminista que vimos crescer nos últimos anos mudou algo em mim. Percebi isso no dia em que não me calei diante de um absurdo que, antes, ouviria em silêncio, deixando a raiva arder por dentro educadamente, porque ser educada e silenciosa é o que se espera de uma mulher. Como a personagem de Sônia Braga, no final de Aquarius, decidi não adoecer, me rebelei. Eu, que sempre silenciei, que nunca respondi impropérios, que corria de qualquer enfrentamento: agora respondo. É uma mudança fundamental que não aconteceu só comigo, aconteceu com muitas.

O movimento de mulheres no Brasil e em outros países vem provocando mudanças assim, que podem ser sutis perto do tamanho do problema enfrentado, mas são profundas. Estamos aprendendo muitas coisas sobre a relação entre homens e mulheres e, como escreveu com perfeição Eliane Brum, há algo importante que se move e não é para trás. Mas podemos ir além: e a relação entre nós, mulheres? Como e em que nível a gente reproduz o discurso machista?

Pergunto como, porque é fato que o reproduzimos de alguma forma. Toda mulher brasileira nasceu, cresceu e foi educada numa cultura extremamente machista, em que a desigualdade entre homem e mulher se estabelece das formas mais óbvias até as mais subliminares. Por isso não é surpresa que algumas mulheres se vistam de machistas ao se relacionar com outras mulheres.

Amigas que mantém relação de competitividade. Ex-mulher que diminui a atual do cara com comentários que só sairiam da boca de um Bolsonaro. Mulher que faz a namorada acreditar que é louca, numa relação que beira o abuso psicológico. Todas feministas no Instagram.

O debate sobre o feminismo traz várias questões importantes, algumas muito urgentes, como o feminicídio, o assédio sexual, o estupro, a desigualdade salarial. Com ele, a gente também tem uma oportunidade de fazer essa reflexão em frente ao espelho: como estamos tratando as mulheres à nossa volta? Não sei você, mas eu tenho cada vez mais certeza de que só a união entre mulheres, baseada na empatia e no companheirismo, pode mudar o mundo.